(cortesia de Fernando Leite Velho)
"Os kwanyama de Angola eram, até aos anos 30-40 os melhores metalurgistas, sobretudo ferreiros, de Angola pela qualidade do aço produzido e pela variedade de produtos. Chegados ao território tardiamente pelo Sul, vindos do Botswana como todos os Ovambo, procuravam minério de ferro a Norte de Njiva o que vieram a concretizar na região da Mupa/Kassinga. Sendo agricultores de massango, massambala e do feijão de terra (feijão makunde) e de outros produtos a que acrescentavam o gado bovino e caprino e tendo de disputar os pontos de água com outros povos já estabelecidos, vinham dotados de uma tecnologia de fundição e modelagem de metais, necessários para a defesa, mas sobretudo, para os adornos das suas mulheres e deles próprios. A sua principal arma (tradicional) é a lança de ferro longo e de ponta larga e longa; o machado (janvite) com formas diferenciadas (para guerra, corte de madeira e de poder) e a enxada. Na fundição de objectos em ferro, os Kwanyama usam o minério extraído de minas, o que os distingue de outros povos bantu, que usam o crosta superficial de laterite (sais ferrosos que se acumulam e misturam com aterra superficial, abundante em toda Angola do planalto). Tal como todos os Bantu, o trabalho do ferro (e dos outros metais) é uma actividade entendida como processo alquímico, em que é necessário realizar e cumprir rigorosamente as actividades propiciatórias e convocar para elas toda a energia dos espíritos, para que o minério adquira a capacidade de se alterar, com a ajuda milagrosa do fogo e que a fornalha faça dar vida, como se fosse um acto de gestação humana. A fornalha é o útero e os foles, os órgãos sexuais masculinos em que o ar que alimenta o fogo, é o sémen necessário à transformação da pedra em algo novo e ajude o homem nas suas actividades através dos instrumentos e armas. Assim. o lugar onde se processa tudo, é um lugar sagrado e reservado a todos os que estiverem puros. Daí que todos os intervenientes tenham de ser ungidos, ou purificados, com líquidos especialmente elaborados para o efeito pelas mulheres. O trabalho é executado pelo mestre fundidor que é também um sacerdote e é ele que escolhe o minério, as quantidades de carvão, cuja produção antecede o acto de fundir, umas semanas antes. A actividade é própria para uma determinada altura do ano, o cacimbo. Logo que o capim esteja todo seco, as famílias dos ferreiros percorrem largos quilómetros dos seus eumbos e das suas lavras, para as minas da Mupa e aí instalam-se construindo a sua habitação e as fornalhas, levando consigo os foles, os malhos, demais instrumentos de corte e de manipulação da ganga e uma parte do seu gado. Depois de obter o minério e do carvão, o primeiro é triturado para facilitar a fundição bem como o carvão. Na fundição, não usam o cadinho, pois a fornalha que é escavada no solo com 40 a 50 cm de profundidade e de diâmetro, leva a um canal onde depois escorre a massa fundida, noutro ponto oposto, é adicionada um algaraviz feito de argila refratária, onde na parte contrária à fornalha entra a "boca" do fole. Este é feito de madeira, no qual, as caixas de ar (duas) são furadas juntando-se num ponto só, como se pode ver na gravura para encaixar no algaraviz. O ar é sugado e soprado com a ajuda de peles de "(?) "com uma válvula do mesmo material onde são amarrados de cada caixa varetas de madeira. O processo de obtenção do lingote leva cerca de 10 a 12 horas e o trabalho é continuo revessando-se o manipulador do fole entre pessoas adultas, ou crianças, previamente descontaminadas e imbuídas de sinais que ajudam a acrescentar qualidade de bom resultado e que respeitem o tabu de abstinência sexual durante todo o processo (segundo alguns autores). A temperatura da fornalha anda pelos 1000 a 1200 graus Celsius pelo que o movimento dos foles tem de ser contínuo. De tempos a tempos o mestre vai acrescentando carvão e escórias de outras fundições. Durante todo o dia os intervenientes limitam-se a beber cerveja de massango, comendo no final do dia o tradicional pirão de fuba de massambala carne seca com ou sem lombi. Para se obter objectos finais, é necessário voltar à forja onde o mestre vai malhando e moldando o pedaço de ferro, quando este está maleável, com o fogo e finaliza com várias temperas usando a água de uma sanga ou panela.
(#) O desenho foi realizado por mim à pena obtido a partir de uma fotografia tirada pelo Padre Carlos Estermann em 1936.
(##) Referências para além da obra C. Estermann "Les forgeron kwanyama" Bol. Soc. Neuchateloise de Geographie, nº 44. Isildo Martins "Cuanhama: Estrat. Internas e Prelúdio da Perda da sua Soberania" tese de Mestrado em História e notas obtidas por nós em entrevista ao primeiro dos autores em 1974."
(texto de Jorge Sá Pinto, publicado na "Conversa à sombra da mulemba" - Facebook)
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