Uma apaixonante e esplendorosa terra, um magnífico povo! Será brilhante seu futuro, construído por todos os que têm Angola no coração, que nela ou na diáspora trabalham e com amor criam suas famílias.
"Identificamos um sistema de significado, dominante, no qual, durante décadas, a violência da Guerra Colonial foi ostensivamente apagada, silenciada e empurrada para o esquecimento.
Este sistema de significado é aquele que se concerta com as representações míticas sobre a identidade portuguesa, nomeadamente a ideia, ainda vigente, de Portugal como uma potência colonial não violenta ou como um país de brandos costumes."
"(...) centramo-nos no contexto português para analisar a persistência de uma construção colonial nos próprios mecanismos que fazem da violência colonial algo suficientemente longínquo ou insignificante para que se trivialize ou denegue."
Paradoxalmente (ou não), "O silenciamento da Guerra Colonial portuguesa (1961-1974) constitui um dos elementos mais estruturantes da reconstrução democrática e pós-imperial da sociedade portuguesa."
in "A violência colonial no Portugal democrático: memórias, corpos e silenciamentos", de Bruno Sena Martins - CesContexto Nº13 Abril de 2016 Debates / Centro de Estudos Sociais
Este, é um silenciamento voluntário. Por “má memória”?
Este é um assunto que habitualmente dá origem às mais díspares (e muitas vezes disparatadas) reações e polémicas. Houve de tudo na Guerra Colonial mas, se quer que lhe diga com sinceridade, a maioria dos militares das Forças Armadas Portuguesas em Angola comportou-se como tropa de ocupação, com o correspondente cortejo de abusos e até de crimes, muitos deles incentivados pelos altos comandos militares, que queriam uma vitória a qualquer preço.
Quanto aos angolanos que cumpriram o serviço militar obrigatório no Exército Português (até o cantor Bonga passou pelas fileiras da tropa colonial), poderei dizer, a partir da minha limitada experiência pessoal, que tiveram um comportamento digno, o que só os honra. Este facto talvez explique, até certo ponto, a razão pela qual os movimentos de libertação, não só não os hostilizaram, mas quiseram mesmo atrai-los para as suas próprias fileiras. Tendo Angola ascendido à independência num ambiente de guerra civil, cada um dos movimentos beligerantes procurou atrair para si os antigos soldados do exército colonial, porque tinham experiência de combate. Enquanto na Guiné-Bissau os antigos comandos africanos foram em grande parte fuzilados pelo PAIGC e em Moçambique os moçambicanos que combateram a Frelimo foram rotulados de traidores e enviados para campos de reeducação, em Angola o MPLA, a FNLA e a UNITA esforçaram-se por aliciar os angolanos do antigo exército colonial a alistarem-se nas suas fileiras. Muitos fizeram-no, outros não. Os que não o fizeram não sofreram represálias por isso, tanto quanto sei.
O texto, aparentemente completo, do trabalho académico que cita está em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/42481/1/A%20viol%C3%AAncia%20colonial%20no%20Portugal%20democr%C3%A1tico_mem%C3%B3rias,%20corpos%20e%20silenciamentos.pdf
Sim, é precisamente desse artigo que retirei o que cito. No meu entender, o silenciamento por parte de quem viveu os horrores da guerra é mais evidente nos que ficaram com stress pós-traumático. Mais nesses ex-soldados do que nos mutilados.
Não deixa de ser significativa a atividade de grupos de ex-colegas de tropa que tantos anos depois dos traumas mantém encontros, convívios e almoços. Alguns contam as memórias em blogues, como sabe. As ligações pessoais construídas naquele contexto tinham muito a ver com a perda da candidez da juventude. Mas o silenciamento mais geral na sociedade portuguesa sobre essa guerra é feito por todos, não só de quem regressou. Muitos dos que ficaram na “metrópole” - não só os que beneficiaram materialmente - se calam sobre o assunto. Por isso falo em “má memória” “incómoda”...
Mesmo assim, em rigor da verdade há motivações opostas para o silenciamento em causa. Por um lado, as famílias que ganharam “caixas de pinho” querem esquecer. Por outro lado, os poucos que adquiriram património habitacional graças a “proventos” de serviço preferem que se ocultem as fontes...
De
Zé Lopes a 10 de Julho de 2022 às 16:38
O “silenciamento da guerra colonial” – e, já agora, também da “pós-colonial” – é um fenómeno real e incontestável. Será pois mais correcto falar-se do silenciamento, não apenas da guerra colonial, mas de muitas outras “guerras”, militares e não-militares, sobre as quais se vai observando um longo e “respeitoso” silêncio...
O tema é, admitidamente, multifacetado e complexo, não sendo de fácil compreensão para a maioria nem, menos ainda, para o cidadão comum, como eu, num espaço como estes, até que a História permita, a seu tempo, colocar todos os pontos nos “is” e os pesos correctos nos devidos pratos da balança. Até lá, muita água haverá de correr, alguma límpida, outra não tanto, sob as pontes do Kwanza – ou do Tejo. As paixões encontram-se ainda demasiado vivas para que se possa manter um diálogo com verdadeiro pendor histórico, isento da carga emocional. Neste sentido, é particularmente elucidativa a frase de zé kabango, e cito:
“Mesmo assim, em rigor da verdade há motivações opostas para o silenciamento em causa. Por um lado, as famílias que ganharam “caixas de pinho” querem esquecer. Por outro lado, os poucos que adquiriram património habitacional graças a “proventos” de serviço preferem que se ocultem as fontes...”
Quem viveu os anos da guerra colonial concordará com a ideia de que a frase contém referências de manifesto mau-gosto, parecendo espelhar uma deselegância atroz, nas fronteiras da boçalidade e uma crassa falta de respeito para com as famílias de gente humilde que perderam filhos nesse conflito. O seu número seria, de resto, demasiado restrito para que tais pessoas, sem influência na opinião pública para poderem “impor” e manter um tão rigoroso silenciamento nacional. Já a segunda parte da tirada poderá ter – ou não – algum sentido, mas é tema que não me sinto habilitado a comentar.
As causas do silenciamento não estão, definitivamente, nas “caixas de pinho”, devendo ser antes procuradas nas doutrinas do “politicamente” correcto – ou do “convenientemente” correcto. Alternativa ou cumulativamente, talvez pudessem ser investigadas na notória falta de elites dignas desse nome.
Durante a minha passagem pelo serviço militar obrigatório, tive ocasião de contactar pessoalmente, em tempos diferentes, com dois destacados elementos de um dos grupos nacionalistas angolanos e é para mim uma pena que, pelo menos um desses elementos já não se encontre no rol dos vivos, para que pudesse testemunhar, em palavras suas, qual o tratamento que de mim recebeu quando foi aprisionado pelas tropas coloniais que, no caso e por curiosa ironia, eram oriundas do recrutamento local. Como ministro das finanças do primeiro governo de Angola, este cavalheiro estaria em condições privilegiadas para poder falar sobre a experiência por ele vivida e da conversa que tivemos quando, por mero acidente do destino, viemos a estar frente a frente, a menos de um metro um do outro. Refiro este episódio apenas como ilustração das “complexidades” em torno dos inflamados discursos de uns e dos “incómodos silêncios” de outros... Todavia, para fazer jus ao ditado, quem não deve não teme, pelo que não vislumbro motivo para que uma pessoa que “não deva” nem tenha telhados de vidro possa ter alguma inibição em falar sobre aquilo em que acredita ou que conhece como factual.
Para terminar, acrescentarei apenas que, a dar fé a alguma informação publicada, o contingente de elementos locais no exército colonial em Angola rondaria os cinquenta por cento. Alguns deles, inevitavelmente, terão perecido também na guerra. E se, por um lado, não partiria de uma mente sã a ideia de que as suas famílias teriam ganhado uma “caixa de pinho”, quem serão, por outro lado, os “silenciadores” do que terão sido os anos mais longos, mais terrivelmente sangrentos e mais destrutivos da História de Angola, após assinado o acordo de independência com a potência colonial? Será apenas mais um caso de “má memória”?
Meu caro Lopes. Como temos visto, a má memória também é um facto real, transversal, atingindo igualmente quem estava de ambos os lados que se combatiam. Não me refiro apenas aos anos entre 61 e 74. Também os anos pós independência trouxeram traumas que ainda não estão sarados. Entendi útil referir neste meu blogue um artigo sobre uma polémica matéria. Como se vê pelos comentários o assunto ainda desperta paixões. Se vir bem, neste blogue sempre se procurou respeitar o que de positivo se fez durante o chamado colonialismo. Leia com atenção, por exemplo, o mais recente post.
De
Ze Lopes a 10 de Julho de 2022 às 18:26
Pois foi esse mesmo o primeiríssimo trabalho que li no seu blog. E a prova de que gostei (e gostei muito) é que abri outros temas e acabei por responder a este, ao qual teve a gentileza de responder. Para não fazer o papel de “politicamente correcto”, não direi que tenho já uma opinião sólida sobre o seu blog, mas posso afirmar que as primeiras impressões são positivas. E como as primeiras são, habitualmente, as impressões que perduram, será quase certo que aqui voltarei mais vezes para ler e, se a ocasião se oferecer, para escrevinhar alguma coisa...
Há anos que não escrevo para blogues, depois de uma longa e agradável experiência com o “SanzalAngola” do meu caríssimo amigo António Delgado, natural de Luanda. Na sua fase mais concorrida, o blogue contava com vários milhares de participantes inscritos (8 mil?) mas acabou por definhar e, finalmente, desapareceu. Foi, na realidade, uma experiência muito agradável, mas ou que fosse pelo “trauma” do seu desaparecimento ou porque não surgiu de imediato um substituto que preenchesse a lacuna, desliguei-me da “blogosfera”...
Em suma: Aterrei hoje na “Angola Profunda”, gostei, participei, e é quase garantido que voltarei. Até um dia destes...
Também eu comecei a interagir com muitos amigos através do SanzalAngola. Como pode ver, o Angola Profunda nasceu em 2006. Se aceder ao marcador dos Editoriais, pode seguir como evoluiu e as etapas que atravessou, bem como as opções da linha editorial. Bem vindo, e vá deixando muitos comentários!
De
Ze Lopes a 11 de Julho de 2022 às 19:18
I Parte:
Gostaria de acrescentar ainda mais umas breves linhas sobre o tema do “silenciamento da guerra colonial”.
É com plena consciência do princípio, totalmente inquestionável, de que cada ser humano tem o direito de formar, manter e expressar as suas ideias e opiniões – e de não ser por isso molestado, a não ser em casos de difamação ou injúria – que me disponho a avançar com a minha opinião relativamente a algumas questões abordadas nesta página.
Sobre o “silenciamento” propriamente dito julgo ter dito o essencial do que penso, mas algumas outras ideias aqui apresentadas vão em sentido diametralmente oposto ao da minha observação e experiência pessoais.
Nomeadamente, sobre o texto do Sr. Fernando Ribeiro, desconheço o tempo e o local em Angola onde ele prestou o serviço militar. Mas a minha experiência do tempo em que servi (1967-1969) é oposta à sua asserção sobre “o cortejo de abusos e até de crimes, muitos deles incentivados pelos altos comandos militares, que queriam uma vitória a qualquer preço.” Parece-me tratar-se de um perfeito exagero, dado que não só não testemunhei qualquer excesso, como as ordens que recebíamos da hierarquia militar não deixavam nenhuma dúvida sobre as pesadas consequências que decorreriam de quaisquer abusos (sexuais ou outros) ou maus tratos (mesmo que apenas verbais) cometidos contra elementos da população civil. Experiências diferentes? Não sei. Posso apenas reportar o que foi a experiência por mim vivida. Mais complexidades...
Se descontarmos o período imediatamente a seguir aos dias sangrentos iniciados a 15 de Março de 1961, em que falar de excessos (de ambos os lados) seria desvalorizar a magnitude do horror, recoheço, sim, que tomei conhecimento de alegações que circularam entre a população sobre graves excessos cometidos pelas tropas especiais (os Comandos) durante o ataque a um agrupamento de guerrilheiros que se teria “refugiado” no interior de uma povoação e em que a dita povoação teria sido cercada e totalmente destruída.
Sobre a gravidade real deste e/ou doutros excessos eventualmente cometidos, e sobre as circunstâncias em que poderão ter ocorrido, nada mais posso adiantar porque nada mais sei. Mas sinto-me confortável na minha honesta convicção de que não deverá ter havido um “cortejo de abusos e até de crimes”, visto que me parece difícil manter um “cortejo de abusos e crimes” em segredo e fora das vistas e dos ouvidos das populações durante muito tempo... E muito menos ainda, que algum de tais excessos tenha sido “incentivado pelos altos comandos militares, que queriam uma vitória a qualquer preço”. Não. Nunca me apercebi de tal incentivo. Definitivamente, não foi essa a cultura militar que me foi ministrada durante o período de formação ou durante o meu tempo de serviço. Muito pelo contrário. As instruções eram claríssimas e não havia espaço para dúvidas ou diferentes interpretações. Longe de sermos incentivados, todas as advertências iam no sentido das consequências que decorreriam da prática de quaisquer excessos, tanto para o prevaricador como para o seu responsável hierárquico.
Por outro lado, é sabido que a propaganda e a contra-informação constituem uma parte importante da estratégia dos contendores em qualquer guerra. Não me repugna aceitar que muita (se não a totalidade) destes “excessos e crimes” sejam fruto dessas estratégias. Como exemplo mais recente, veja-se o que se passa na que actualmente se desenrola no leste da Europa...
De
Ze Lopes a 11 de Julho de 2022 às 19:21
II Parte
Um exemplo mais antigo e do meu conhecimento pessoal e directo é o que retenho na memória sobre a notícia transmitida pela Rádio Brazzaville e captada no quartel onde me encontrava colocado. Tratava-se de uma emboscada sofrida alguns dias antes pelo meu pelotão (30 elementos, para quem não souber) em que não tínhamos tido qualquer baixa nem sequer um único ferido. Todavia, a notícia alardeava, em tom factual e solene, que “no dia [...] na picada de [...] os nossos heróicos combatentes emboscaram as tropas coloniais, que sofreram trinta e seis mortos e levaram ainda para o quartel um elevado número de feridos”... Foi uma risota longa e geral, pois nós éramos apenas 30 e ninguém tinha sofrido um beliscão...
Voltando aos abusos, posso afirmar peremptoriamente, que não só não testemunhei nenhum, como as ordens que recebíamos da hierarquia militar não deixavam margem para dúvida sobre as consequências que decorreriam de quaisquer abusos (mesmo sexuais) ou maus tratos (mesmo que apenas verbais) para com qualquer elemento da população ou para com algum eventual prisioneiro de guerra. Experiências diferentes? Não sei. Posso apenas reportar o que foi a experiência por mim vivida.
Mais complexidades sobre a história da guerra colonial? Certamente. Mas só após dissipadas todas as “neblinas da guerra” (leia-se desinformação) e assentes as últimas poeiras das paixões e dos preconceitos (leia-se conveniências) poderá a verdade ser, finalmente, estabelecida na sua real dimensão. Digo eu...
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