Uma apaixonante e esplendorosa terra, um magnífico povo! Será brilhante seu futuro, construído por todos os que têm Angola no coração, que nela ou na diáspora trabalham e com amor criam suas famílias.
(...) "...Terminada de forma abrupta a experiência histórica representada pelo colonialismo demográfico português em Angola, por via da evacuação da população branca e da consequente implosão da sociedade colonial em 1975, impõe-se um questionamento sobre a forma como o Estado Angolano independente tem lidado com a memória histórica desse mesmo colonialismo demográfico. Assim, muito embora não haja um museu dedicado à questão da colonização portuguesa, a memória dessa colonização não só permanece viva, como também é salvaguardada pelo próprio Estado Angolano por via da classificação e conservação do património edificado pelos portugueses em Angola. Vejamos. O Ministério da Cultura de Angola apresenta, na sua página institucional, uma lista de duzentos e oito monumentos e sítios registados como património histórico-cultural. Desse conjunto, cerca de 79,8% dizem respeito ao período colonial, sendo na sua maioria construções e monumentos edificados pelos colonizadores portugueses (ainda que nalguns casos com o emprego de mão de obra africana). Trata-se de fortalezas, igrejas, palácios e outros edifícios que remetem directamente para o domínio colonial português, sendo nalguns casos símbolos explícitos dos colonizadores, da sua cultura e da sua religião. Pelo contrário, é bastante limitado o número de sítios e monumentos relativos ao período pré-colonial (12,5%), à história da resistência africana ao colonialismo e à luta anticolonial (5,3%), à história da escravatura (1,4%) e à fase pós-colonial (1%). A Província da Huíla constitui um caso particularmente emblemático no que diz respeito ao predomínio do período colonial no quadro do património histórico-cultural classificado como tal pelo Estado Angolano. De facto, nessa Província, os dez monumentos e sítios classificados como património histórico-cultural referem-se na totalidade à presença europeia na região. Entre eles estão os próprios barracões que albergaram os primeiros colonos madeirenses que fundaram a cidade do Lubango em 1885, bem como o Cemitério da Comunidade Bóer da Humpata. O edifício do Palácio do Governo Distrital, do século XIX, a Igreja da Sé Catedral do Lubango e a Estátua do Cristo-Rei do Lubango, ambas do século XX, são outros três monumentos classificados pelo Ministério da Cultura de Angola. Facto muito significativo é a pretensão das autoridades angolanas no sentido da classificação como Património Cultural Mundial pela UNESCO da Estátua do Cristo-Rei do Lubango, da Sé Catedral do Lubango e do Cemitério Boer da Humpata. Pela sua simbologia, a Estátua do Cristo-Rei destaca-se do conjunto dos monumentos existentes na Huíla, na medida em que representa não só a afirmação da fé católica – a religião dos colonizadores – , como também simboliza a unidade cultural dos vários territórios que compunham o chamado “espaço lusíada, fruto da expansão portuguesa no Mundo. Erguido a 2.100 metros de altitude, no cimo da Serra da Chela, o Cristo-Rei do Lubango é um monumento concebido na década de 1950, pelo engenheiro português da Ilha da Madeira Frazão Sardinha, apresentando evidentes analogias com estátuas similares que se erguem nas cidades do Rio de Janeiro e em Lisboa (na Ponta do Garajau, na Madeira, também existe uma estátua semelhante, mas com dimensões mais reduzidas). No contexto pós-colonial, o empenhamento institucional das autoridades angolanas na classificação e na conservação desse monumento é revelador de uma certa concepção de história nacional que não só não exclui a memória da colonização, como também a incorpora na identidade da nação. Com efeito, o património histórico-cultural e, em especial, os monumentos são instrumentos privilegiados no processo de definição da memória histórica colectiva de uma comunidade, bem como no processo de construção de identidades nacionais, regionais e locais. Por isso, a classificação e a preservação de um tão elevado número de sítios e de monumentos relativos ao período colonial implica a afirmação de uma identidade nacional fortemente marcada pela presença portuguesa. Há uma clara incorporação do passado colonial na identidade nacional de Angola. Esta situação pode â primeira vista causar alguma estranheza, uma vez que a independência foi alcançada por movimentos políticos que reclamavam uma identificação com as populações africanas colonizadas (e não propriamente com os colonizadores de origem portuguesa). Mas, na verdade, a conservação do património edificado pelos portugueses, que no fundo constitui a memória material visível da época colonial, é reveladora da identidade de uma parte muito significativa da cúpula dirigente do partido no poder desde a independência em Angola, ou seja do MPLA. De facto, o MPLA tem no seu âmago um conjunto de quadros e de dirigentes mestiços ou negros europeizados, descendentes das antigas famílias assimiladas, de língua e cultura portuguesas, bem como católicos (a retórica marxista usada no passado pelo MPLA foi em larga medida instrumental, sendo acima de tudo uma forma de captar maiores apoios internacionais para a sua causa). Esta elite – que frequentemente é designada de crioula – é num certo sentido o produto da secular presença portuguesa em Angola, em especial em Luanda, pelo que a sua identidade foi amplamente modelada pelo colonialismo português. Por isso, os vestígios materiais da colonização portuguesa constituem, em larga medida, os alicerces da sua própria história e as bases da sua identidade. Daí o forte interesse demonstrado pelo governo do MPLA na preservação do património histórico-cultural de origem portuguesa em Angola. Trata-se no fundo de conservar a própria história enquanto grupo – grupo com fortes afinidades históricas aos colonizadores. É que, muito embora o MPLA se proclamasse representante da maioria colonizada, o seu núcleo duro sempre esteve mais próximo dos colonos portugueses, do ponto de vista económico, social e cultural, do que dos indígenas negros. Assim, apesar da retórica anticolonial usada antes (e depois) da independência, o MPLA tem sido na prática o principal responsável pela conservação da língua, da cultura e do património de origem portuguesa em Angola. Esta situação tem claras consequências no campo identitário e na forma como os angolanos percebem o seu passado, uma vez que o MPLA projectou a sua própria história no todo nacional. Tal como a língua portuguesa, que funciona como um instrumento de agregação e de promoção da unidade nacional, também o legado colonial – em termos de património histórico-cultural – fornece uma memória simbólica unificadora da nação, fundamental na afirmação de uma identidade nacional supra-étnica, mas que na verdade reflecte a identidade de parte substancial da cúpula dirigente do MPLA. Daí a aposta das autoridades angolanas na classificação e na preservação do património histórico-cultural do período colonial, em detrimento da patrimonialização dos vestígios materiais da época pré-colonial que, pela diversidade dos povos existentes no espaço angolano, poderia de alguma forma oferecer uma visão desagregadora da nação. Neste contexto, apesar da desestruturação do colonialismo demográfico, pela evacuação dos colonos brancos em 1975, a memória da colonização portuguesa desempenha um papel central no processo de construção da nação pós-colonial em Angola. A este respeito, são claras as continuidades entre o período colonial e o pós-independência, em especial ao nível do processo de criação da identidade nacional angolana. Assim, a natureza permanente do colonialismo demográfico não se esvaneceu de todo, continuando pelo contrário a condicionar o entendimento que a sociedade angolana tem si mesma e do seu passado. E, muito embora os portugueses nunca tenham conseguido “reproduzir” a sociedade metropolitana no continente africano, não havendo lugar à formação de um novo Brasil, tão pouco de uma “Nova Lusitânia”, o facto é que Angola é um país com fortíssimas ligações a Portugal, em termos económicos, sociais, culturais e até políticos. Neste sentido, o estudo do caso angolano parece-nos particularmente pertinente para uma problematização do fenómeno do colonialismo demográfico em contexto africano, na medida em que nos chama a atenção para um conjunto de questões no campo identitário, bem como para a permanência de certos aspectos da colonização europeia muito para além da evacuação da população colonizadora. Mas um conhecimento mais aprofundado do colonialismo demográfico português só pode ser alcançado por via do desenvolvimento de uma historiografia colonial mais abrangente, mais centrada na análise da situação colonial em si, adoptando se necessário uma perspectiva comparativa e capaz de dialogar com outras disciplinas, entre as quais a geografia, a antropologia ou a sociologia. Enfim, uma história com um enquadramento teórico forte, mas com o necessário pendor analítico, feita a partir da leitura e da interpretação crítica das fontes."
(*) In Revista de Teoria da História, Volume 17, Número 1, Julho/2017, Universidade Federal de Goiás