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Quarta-feira, 13 de Outubro de 2021
uma importante obra

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publicado por zé kahango às 20:26
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"Memória do colonialismo demográfico" (*)
(...) "...Terminada de forma abrupta a experiência histórica representada pelo colonialismo  demográfico  português  em  Angola,  por  via  da  evacuação  da  população branca e da consequente implosão da sociedade colonial em 1975, impõe-se um  questionamento sobre a forma como o Estado Angolano independente tem lidado com a memória  histórica  desse  mesmo  colonialismo demográfico.  Assim,  muito  embora  não haja um museu dedicado à questão da colonização portuguesa, a memória dessa colonização não só permanece viva, como também é salvaguardada pelo próprio Estado Angolano por via da classificação e conservação do património edificado pelos portugueses em Angola. Vejamos. O  Ministério  da  Cultura  de  Angola  apresenta,  na  sua  página  institucional,  uma lista  de  duzentos  e  oito  monumentos  e  sítios  registados  como  património  histórico-cultural.  Desse  conjunto,  cerca  de  79,8%  dizem  respeito  ao  período  colonial,  sendo  na sua  maioria  construções  e  monumentos  edificados  pelos  colonizadores  portugueses  (ainda que nalguns casos com o emprego de mão de obra africana). Trata-se de fortalezas, igrejas, palácios e outros edifícios que remetem directamente para o domínio colonial  português,  sendo  nalguns  casos  símbolos  explícitos  dos  colonizadores,  da  sua cultura  e  da  sua  religião.  Pelo  contrário,  é  bastante  limitado  o  número  de  sítios  e monumentos relativos ao período pré-colonial (12,5%), à história da resistência africana  ao  colonialismo  e  à  luta  anticolonial  (5,3%),  à  história  da  escravatura  (1,4%)  e  à  fase pós-colonial (1%). A  Província  da  Huíla  constitui  um  caso  particularmente  emblemático  no  que  diz  respeito  ao  predomínio  do  período  colonial  no  quadro  do  património  histórico-cultural classificado como tal pelo Estado Angolano. De facto, nessa Província, os dez monumentos  e  sítios  classificados  como  património  histórico-cultural  referem-se  na totalidade  à  presença  europeia  na  região.  Entre  eles  estão  os  próprios  barracões  que albergaram  os  primeiros  colonos  madeirenses  que  fundaram  a  cidade  do  Lubango  em 1885,  bem  como  o  Cemitério  da  Comunidade  Bóer  da  Humpata.  O  edifício  do  Palácio  do Governo Distrital, do século XIX, a Igreja da Sé Catedral do Lubango e a Estátua do Cristo-Rei do Lubango, ambas do século XX, são outros três monumentos classificados  pelo Ministério da Cultura de Angola. Facto muito significativo é a pretensão das autoridades  angolanas  no  sentido  da  classificação  como  Património  Cultural  Mundial pela  UNESCO  da  Estátua  do  Cristo-Rei  do  Lubango,  da  Sé  Catedral  do  Lubango  e  do  Cemitério  Boer  da  Humpata.  Pela  sua  simbologia,  a  Estátua  do  Cristo-Rei  destaca-se  do  conjunto  dos  monumentos  existentes  na  Huíla,  na  medida  em  que  representa  não  só  a  afirmação  da  fé  católica  –  a  religião  dos  colonizadores  –  ,  como  também  simboliza  a unidade cultural dos vários territórios que compunham o chamado “espaço lusíada, fruto da expansão portuguesa no Mundo. Erguido a 2.100 metros de altitude, no cimo da Serra da Chela, o Cristo-Rei do Lubango é um monumento concebido na década de 1950, pelo engenheiro português da Ilha da Madeira Frazão Sardinha, apresentando evidentes analogias  com  estátuas  similares  que  se  erguem  nas  cidades  do  Rio  de  Janeiro  e  em Lisboa  (na  Ponta  do  Garajau,  na  Madeira,  também  existe  uma  estátua  semelhante,  mas com dimensões mais reduzidas). No contexto pós-colonial, o empenhamento institucional das autoridades angolanas na classificação e na conservação desse  monumento  é  revelador  de  uma  certa  concepção  de  história  nacional  que  não  só  não exclui a memória da colonização, como também a incorpora na identidade da nação. Com  efeito,  o  património  histórico-cultural  e,  em  especial,  os  monumentos  são instrumentos  privilegiados  no  processo  de  definição  da  memória  histórica  colectiva  de uma comunidade, bem como no processo de construção de identidades nacionais, regionais e locais. Por isso, a classificação e a preservação de um tão elevado número de sítios  e  de  monumentos  relativos  ao  período  colonial  implica  a  afirmação  de uma identidade nacional fortemente marcada pela presença portuguesa. Há uma clara incorporação do passado colonial na identidade nacional de Angola. Esta situação pode  â  primeira  vista  causar alguma  estranheza,  uma  vez  que  a  independência  foi  alcançada por movimentos políticos que reclamavam uma identificação com as populações  africanas colonizadas (e não propriamente com os colonizadores de origem portuguesa). Mas,  na  verdade,  a  conservação  do  património  edificado  pelos  portugueses,  que  no fundo constitui a memória material visível da época colonial, é reveladora da identidade de  uma  parte  muito  significativa  da  cúpula  dirigente  do  partido  no  poder  desde  a independência em Angola, ou seja do MPLA. De  facto,  o  MPLA  tem  no  seu  âmago  um  conjunto  de  quadros  e  de  dirigentes mestiços  ou  negros  europeizados,  descendentes  das  antigas  famílias  assimiladas,  de língua e cultura portuguesas, bem como católicos (a retórica marxista usada no passado pelo MPLA foi em larga medida instrumental, sendo acima de tudo uma forma de captar maiores  apoios  internacionais  para  a  sua  causa).  Esta  elite  –  que  frequentemente  é designada  de  crioula  –  é  num  certo  sentido  o  produto  da  secular  presença  portuguesa  em Angola, em especial em Luanda, pelo que a sua identidade foi amplamente modelada pelo  colonialismo  português.  Por  isso,  os  vestígios  materiais  da  colonização  portuguesa constituem,  em  larga  medida,  os  alicerces  da  sua  própria  história  e  as  bases  da  sua identidade. Daí o forte interesse demonstrado pelo governo do MPLA na preservação do património  histórico-cultural  de  origem  portuguesa  em  Angola.  Trata-se  no  fundo  de conservar  a  própria  história  enquanto  grupo  –  grupo  com  fortes  afinidades  históricas aos  colonizadores.  É que,  muito  embora  o  MPLA  se  proclamasse  representante  da maioria colonizada, o seu núcleo duro sempre esteve mais próximo dos colonos portugueses, do ponto de vista económico, social e cultural, do que dos indígenas negros. Assim, apesar da retórica anticolonial usada antes (e depois) da independência, o MPLA  tem  sido  na  prática  o  principal  responsável  pela  conservação  da  língua,  da  cultura  e  do património de origem portuguesa em Angola. Esta situação tem claras consequências no campo identitário e na forma como os angolanos  percebem  o  seu  passado,  uma  vez  que  o  MPLA  projectou  a  sua  própria história no todo nacional. Tal como a língua portuguesa, que funciona como um  instrumento de agregação e de promoção da unidade nacional, também o legado colonial – em termos de património histórico-cultural – fornece uma memória simbólica unificadora  da  nação,  fundamental  na  afirmação  de  uma  identidade  nacional  supra-étnica, mas que na verdade reflecte a identidade de parte substancial da cúpula dirigente do  MPLA.  Daí  a  aposta  das  autoridades  angolanas  na  classificação  e  na  preservação  do património  histórico-cultural  do  período  colonial,  em  detrimento  da  patrimonialização dos vestígios materiais da época pré-colonial que, pela diversidade dos povos existentes no  espaço  angolano,  poderia  de  alguma  forma  oferecer  uma  visão  desagregadora  da nação.  Neste  contexto,  apesar  da  desestruturação  do  colonialismo  demográfico,  pela evacuação dos colonos brancos em 1975, a memória da colonização portuguesa desempenha  um  papel  central  no  processo  de  construção  da  nação  pós-colonial  em Angola.  A  este  respeito,  são  claras  as  continuidades  entre  o  período  colonial  e  o  pós-independência,  em  especial  ao  nível  do  processo  de  criação  da  identidade  nacional angolana. Assim, a natureza permanente do colonialismo demográfico não se esvaneceu de  todo,  continuando  pelo  contrário  a  condicionar  o  entendimento  que  a  sociedade angolana  tem  si  mesma  e  do  seu  passado.  E,  muito  embora  os  portugueses  nunca tenham conseguido “reproduzir” a sociedade metropolitana no continente africano, não  havendo lugar à formação de um novo Brasil, tão pouco de uma “Nova Lusitânia”, o facto é  que  Angola  é  um  país  com  fortíssimas  ligações  a  Portugal,  em  termos  económicos, sociais, culturais e até políticos. Neste sentido, o estudo do caso angolano parece-nos particularmente pertinente para uma problematização do fenómeno do colonialismo demográfico em contexto africano,  na  medida  em  que  nos  chama  a  atenção  para  um  conjunto  de  questões  no campo  identitário,  bem  como  para  a  permanência  de  certos  aspectos  da  colonização europeia muito para além da evacuação da população colonizadora. Mas um conhecimento  mais  aprofundado  do  colonialismo  demográfico  português  só  pode  ser alcançado  por  via  do  desenvolvimento  de  uma  historiografia  colonial  mais  abrangente, mais  centrada  na  análise  da  situação  colonial  em  si,  adoptando  se  necessário  uma perspectiva  comparativa  e  capaz  de  dialogar  com  outras  disciplinas,  entre  as  quais  a geografia,  a  antropologia  ou  a  sociologia.  Enfim,  uma  história  com  um  enquadramento teórico  forte,  mas  com  o  necessário  pendor  analítico,  feita  a  partir  da  leitura  e da interpretação crítica das fontes."

(*) In Revista de Teoria da História, Volume 17, Número 1, Julho/2017, Universidade Federal de Goiás

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