Uma apaixonante e esplendorosa terra, um magnífico povo! Será brilhante seu futuro, construído por todos os que têm Angola no coração, que nela ou na diáspora trabalham e com amor criam suas famílias.
"No interior da província do Namibe, em Angola, existe, próximo da pequena povoação de Virei, em pleno deserto, um morro conhecido pelo nome de Kane-wia que, em idioma Tchierero (língua do povo mucubal) significa “quem o subir não volta”."

"Lenda ou realidade, o que é certo é que se dizia que nunca alguém ousara subir o morro porque as histórias contadas pelos Mucubais impunham medo e respeito aos angolanos.
O Kane-Wia, vivia, por isso, sossegado e inexplorado, uma espécie de montanha sagrada onde Deus dorme e, por esse motivo, interdita ao comum dos mortais.
Em 1937, porém, numa das suas missões científicas, um eminente biólogo da Universidade de Coimbra, o Dr. Luís Wittnich Carrisso, veio até ao Namibe para estudar a flora local. Acampada na parte do deserto do Namibe que é conhecida, também, como deserto de Moçâmedes, a 2 quilómetros do morro das Paralelas, no qual se situa o Kane-Wia e a 102 quilómetros da cidade de Moçâmedes, hoje, também denominada Namibe, estava a equipa de Luís Carrisso.
Como homem racional e de ciência que era, Luís Carrisso, movido pelo espírito de investigador e pouco dado a crendices populares, resolveu contrariar a crença subindo o Kane-Wia.
Mas quem era, afinal o doutor Luís Carrisso?
Luís Wittnich Carrisso nasceu na Figueira da Foz a 14 de Fevereiro de 1886, filho de Ignácio Augusto Carrisso e da holandesa Leopoldina Wittnich.
Luís Carrisso, aos 22 anos, licenciou-se com 19 valores na Faculdade de Filosofia Natural da Universidade Faculdade de Coimbra. Aos 25 anos doutorou-se na de Filosofia Natural com a tese “Materiais para o estudo do plâncton na costa portuguesa — fascículo I”. Aos 26 anos foi nomeado assistente do grupo de Ciências Biológicas da então já Faculdade de Ciências tendo apresentado, para esse concurso, o trabalho “Materiais para o estudo do plâncton na costa portuguesa — fascículo II.” Nos seis anos seguintes Carrisso exerceu docência. Em 1918 foi nomeado professor catedrático e, no mesmo ano, com 32 anos, foi nomeado o 15º director do Jardim Botânico, em Coimbra. Em 1921 convidou, para o lugar de assistente e jardineiro chefe, o licenciado Francisco d’Ascenção Mendonça.
Organizou várias herborizações em Portugal e desenvolveu a colaboração com amadores, alguns antigos alunos, que regularmente enviavam material das então colónias portuguesas. Foram as suas actividades em África, que duraram 10 anos bem difíceis, que substancialmente alargaram o Herbário de Coimbra que enriqueceram, de forma substancial seu currículo, conferindo um enorme prestígio à sua longa história de homem das ciências e homem público.
Foi, pois, este notável homem da Ciência que, a 1 de Junho de 1927, acompanhado do seu amigo e assistente, Francisco Mendonça partiu para a primeira de três missões que constituiriam a denominada Missão Botânica a Angola. A verba era pouca e, portanto, a organização foi modesta, contando apenas com material simples para herborizações e equipamento fotográfico. Viajaram em condições difíceis como era, e é ainda, habitual em África, condições que foram registadas em várias memórias fotográficas e escritos. Passam mais de metade do tempo na zona remota do noroeste de Angola com uma demorada visita ao deserto de Moçâmedes. Foram ainda a Cabinda e ao Congo Belga. Chegaram a Lisboa a 13 de Dezembro do mesmo ano com grande quantidade de material vegetal.
Mas, o encanto africano, a magia das terras angolanas tinham tocado, não apenas o homem, mas, em especial o cientista, o investigador.
Totalmente enfeitiçado por África, Luís Carrisso mal regressou a Portugal planeou, de imediato, a segunda expedição, a qual teve lugar em 1929, sob o título “Missão Académica a Angola”. A expedição foi pensada, para além do aspecto científico, com uma importante vertente pedagógica, como uma grande aula prática de campo. Nela participaram 22 pessoas entre professores universitários de todo o país, alunos universitários dos últimos anos, Francisco Mendonça, Luís Carrisso e Ana Maria, sua esposa. A experiência científica e pessoal constituiu qualquer coisa de único na vida dos aprendizes de expedicionários tendo-se estabelecido uma profunda empatia entre os elementos do grupo. Partiram de Lisboa a 10 de Agosto, percorreram 6.000 km em Angola onde estudaram a flora, a fauna, as potencialidades económicas, as condições de vida social e os problemas locais, tendo colhido mais de 25.000 exemplares da flora angolana.
Ao todo, o Professor Luís Carrisso e a sua equipa realizaram, em Angola, três expedições, que totalizaram mais de 30.000 quilómetros percorridos e permitiram a colheita de material que veio a dar origem a importantes trabalhos científicos sobre a flora angolana, em especial do deserto, entre os quais se destacam “Syllogue Florae Angolensis” e “Conspectus Flora Angolensis “. O material herbário colhido durante estas expedições, constitui importante material de referência de uma parte muito interessante de África, resultando, daí, a grande importância destas colecções históricas e destes trabalhos de enorme valor científico que foram juntar-se às colecções de John Gossweiller e do grande cientista austríaco, Friedrich Welwitsch (...)"
"Em Junho de 1937, em Angola, Luís Carrisso iniciou a sua terceira expedição científica de investigação no deserto do Namibe. Estava acompanhado por sua esposa, Ana Maria de Sousa Wittnich Carrisso, Francisco da Assunção Mendonça, naturalista do Instituto Botânico de Coimbra, Jara de Carvalho, assistente do Instituto Botânico de Coimbra, Francisco de Sousa, colector do Instituto Botânico de Coimbra, Arthur Wallis Exell, naturalista do British Museum, de Londres e esposa e John Gossweiller, botânico suíço ao serviço de Portugal em Angola.Numa segunda-feira, 14 de Junho de 1937, a equipa iniciou a subida do Kane-Wia colhendo plantas. Repentinamente, o cientista sentiu-se mal e parou para descansar durante algum tempo, ajudado por sua mulher Ana Maria e pelo seu companheiro Francisco Mendonça, que o convenceram a regressar ao sopé do morro sob a condição de, no dia seguinte, continuarem o trabalho. A expedição regressou aos veículos, Luís Carrisso pelo seu pé, sem ajuda, já se sentindo melhor. À beira da tenda do acampamento, um cajado numa mão, um molhe de plantas na outra, enquanto lhe preparavam a cama de campanha acabou por concordar que fossem chamar um médico a Moçâmedes. Deitou-se, ajeitou-se na cama e morreu pouco depois. Fosse por mera coincidência ou por estranhas razões nas quais muitos não deixam de incluir a crença mucubal, “quem o subir não volta”, o grande cientista português, sucumbiu, de ataque cardíaco, em pleno deserto do Namibe, ao escalar o Kane-Wia. Quem hoje passa por aquele local pode, ainda, ver a placa que ali foi colocada há mais de setenta anos: “Dr. L. W. Carrisso XIV-VI-MCMXXXVII” (1937).
A maldição do Kane-Wia tinha-se concretizado."

(Cortesia de Octaviano Correia)