“Dentro de suas possibilidades, as autoridades administrativas esforçam-se por levar os indígenas ao cumprimento desse dever, quer facilitando emprego aos que o procurem, quer recrutando para serviços de interesse geral os que sejam mais relutantes em trabalhar. Regra geral, os homens de mais de 40 anos não são empregados em trabalho assalariado, na Huíla. (...) Ora, os trabalhos de interesse geral, como a construção e reparação de estradas, obras de arte, barragens, edificação de portos e vias férreas, construção de edifícios públicos etc. são habitualmente localizados fora das regiões de origem dos trabalhadores, mais violentos e menos bem pagos do que o trabalho oferecido pelas outras empresas. As autoridades procuram recrutar para esses serviços, tanto quanto possível, os indígenas mais preguiçosos, e só depois os que estejam, no momento, inactivos. Quer dizer, o indígena que se encontre sem trabalho pode ser recrutado para serviços de interesse geral, com as naturais consequências: afastamento da família e dos haveres, provavelmente sem se encontrar preparado para tal; ser escolhido para uma tarefa que lhe não agrada; ser submetido a uma disciplina rigorosa e a um trabalho mais pesado do que a generalidade dos outros serviços; auferir uma remuneração inferior à que receberia noutras tarefas. Como se vê, tudo isto são razões sobejas para impelirem a procurar trabalho de moto próprio, em vez de aguardar que as autoridades lho arranjem. Infelizmente, a maioria joga com a deficiente ocupação administrativa, escondendo-se em pleno mato, junto de parentes ou conhecidos, ou ainda em áreas administrativas limítrofes, o tempo em que dura o recrutamento para trabalhos públicos.”
Afonso Mendes, chefe de posto na Circunscrição do Baixo Cunene, 1958
(Citado por Carla Abrantes, in Anuário Antropológico, Brasília, 2014 - texto completo aqui)
Os antecedentes históricos:
"No ano de 1940, um funante de Moçâmedes, depois de embriagar três kuvales que terão adormecido pelos efeitos da mistela oferecida pelo português, mandou marcar os seus bois como forma de resgate de dívidas anteriores. Após despertarem, os kuvales seguem no encalço dos seus animais, matam dois criados do português e ficam com a totalidade da manada. O episódio tem o seu desenlace na chegada de dois destacamentos do exército português de cerca de mil soldados e outros tantos auxiliares africanos, além de dois aviões equipados com metralhadoras, mobilizados para pôr fim aos alegados roubos de gado. Entre setembro de 1940 e fevereiro de 1941 dá-se uma autêntica “caça ao kuvale” por toda a faixa semidesértica do Sul de Angola, entre o oceano e a serra da Chela, tendo sido feitos 3500 prisioneiros entre homens, mulheres e crianças, numa população kuvale que não contaria mais de 5000 indivíduos. Além das cenas de violência abjeta durante o cativeiro, incluindo matanças indiscriminadas, 600 homens terão sido enviados para as roças de cacau de São Tomé, outros tantos para a Diamang e para a colónia penitenciária de Damba, e 70 cedidos à Câmara Municipal de Moçâmedes. Quanto aos bois, a maior parte das cerca de 46.000 cabeças de gado apreendidas terá engrossado os rebanhos dos grandes proprietários brancos de Sá da Bandeira. Acusam-se os kuvales de serem ladrões inveterados de gado para no fim se lhes roubar os bois."
As ovelhas karakul, especialmente resistentes às condições semidesérticas, importadas por cientistas alemães do Turquestão para o Sudoeste Africano, eram criadas em extensas propriedades de mais de 5000 hectares delimitadas por arame farpado.
"Após regressar de uma visita de recreio ao Sudoeste Africano em 1944, nessa altura sob controlo da União Sul-Africana, o governador da província da Huíla, o capitão Bustorff Silva, tratou de inquirir junto de Manuel dos Santos Pereira, o veterinário encarregue da estação zootécnica da Humpata na zona do planalto, sobre a possibilidade de reproduzir a experiência alemã do caracul em Angola. Este não tardou em dar uma resposta positiva, indicando o deserto de Moçâmedes – a faixa entre o oceano e o planalto recentemente pacificada após a caça ao kuvale – como a zona mais promissora para o empreendimento, não só pelas suas condições climáticas semelhantes às da estepe semidesértica do Turquestão, como pela total disponibilidade de terrenos."
Assim, foi "O Posto Experimental do Caracul (PEC), fundado em 1948, (...) combinando num mesmo espaço experiências de inseminação artificial de carneiros com outras mais inesperadas de sociabilidade colonial, como a organização de um “bairro indígena”, a reproduzir por toda a região, que imitava uma onganda de kuvales, bem como uma casa-modelo de colono." "O Posto Experimental foi construído com o intuito de se constituir como a materialização primeira de um povoamento branco exemplar, uma espécie de quinta-modelo que deveria ser replicada pelo deserto fora."
(Tiago Saraiva, in etnográfica, fevereiro de 2014 - https://journals.openedition.org/etnografica/3403)
Na Angola colonial, os contextos culturais também eram por vezes "construídos", ou de certa forma "moldados" numa óptica civilizacional por assim dizer "ocidental". Se bem que o objetivo último de algumas iniciativas pudesse ser contribuir para uma narrativa utilitária nos reticentes areópagos internacionais que o colonizador enfrentava, surpreendentemente surgiam à luz do dia novas e eventualmente "incómodas" realidades que desse modo se tornavam patentes. Veja-se o caso:
"Uma das ações culturais e científicas do Museu do Dundo consta da Missão de Recolha de Folclore Musical, iniciada a 23 de junho de 1950 (...). Foi chefiada pelo empregado da Diamang, Manuel Pinho da Silva, conhecido pela população nativa como “o Branco do Serviço das Cantigas” (...). Esta ação foi desenvolvida em sete campanhas de recolha etno-musical efetuadas em aldeias das províncias do Cuando-Cubango, Moxico e Lunda, indo para lá da designada ‘Zona de Explorações’ da Diamang. Cada campanha durava em média 3 meses, e a mais longa foi a terceira campanha que durou 15 meses. Na totalidade foram percorridos cerca de 20.000 Km (...)." Essas recolhas originaram "um conjunto de materiais de índole documental, áudio e fotográfico que resultou em cerca de 1500 músicas em 752 discos."
Segundo o então Conservador do Museu, José Redinha, "Desejamos assim significar a música indígena e os seus cantos, surpreendidos naturalmente, na sua feição cândida e rústica, se possível ocasional, a céu aberto, tendo por caixa de ressonância o fundo da floresta ou o âmbito das palhoças."
"A missão contava com uma equipa vasta, incluindo cozinheiros, motoristas, intérpretes musicais (mulheres) e instrumentais (homens, os chamados tocadores), esposas dos colaboradores da Companhia (empregados, i.e., brancos), padres e sobas (...). As campanhas tinham como destino as aldeias do interior, os sobados, o que trazia muitas dificuldades à circulação no terreno, exigindo a colaboração das populações nativas. Mas logo no início, outras dificuldades surgiram. Por um lado, em muitas aldeias não existiam pessoas que tocassem ou cantassem, assim como não havia reportórios e instrumentos musicais entendidos pela missão como ‘tradicionais’ (...), tal como o txinguvo ou tambor, considerado pela missão como o mais ‘autêntico’."
"Entre conversas com as populações e os trabalhos de caça, a missão teve de pedir aos sobas que recrutassem intérpretes nas suas aldeias para depois, levados para os ‘acampamentos’ na forma de ‘concentrações de indígenas’, se escolherem as melhores vozes e os melhores ‘tocadores’. Esses acampamentos eram organizados no mato junto de aldeias e postos administrativos, e era nesse espaço que toda a equipa se instalava para a seleção e gravação das músicas, ocorrendo a gravação à noite. Todos os indígenas eram recompensados com dinheiro, alimentos e tabaco. Os instrumentos e os intérpretes selecionados pela missão eram transportados em carrinhas durante todo o percurso da campanha respetiva para assim interpretarem os reportórios definidos pela missão como ‘tradicionais’. Nesse processo de ‘autenticação’ participavam tanto os colaboradores da Diamang como a população indígena inquirida e que, juntos, integravam a missão."
"(...) para comprovar a ‘autenticidade’ das letras, a etapa da ‘recolha escrita’ era muito importante, pois servia para selecionar a ‘pureza’ dos repertórios, e era feita pelas esposas dos empregados da missão e pelas mulheres indígenas. No fim de cada campanha, era no Dundo que se procedia à revisão das letras, onde se reuniam à volta de uma mesa os sobas, os padres e as mulheres."
"As músicas recolhidas na quinta e sexta campanhas foram não só selecionadas pela Missão como também estudadas pelo maestro Hermínio do Nascimento e publicadas/divulgadas internacionalmente na forma de estudos musicológicos em duas das Publicações Culturais da Diamang. Entre as várias temáticas cantadas (rituais de iniciação, de culto ou de adivinhação e feitiçaria; relações amorosas; sexo; morte; doença; caça; escravatura; lavras; relação com autoridades) e que derivam de experiências quer em contextos angolanos, quer no então Congo Belga ou na então Rodésia do Norte, a temática do trabalho contratado (ou forçado) é bastante interpretada, até porque grande parte dos intérpretes eram trabalhadores contratados, ou seus familiares."
"O trabalho de tipo industrial, enquanto elemento marcante da ‘missão civilizadora’ e moderna do colonialismo português (...), acarretou consequências, no sentido de originar novos padrões de vida e novas conceções do tempo e do espaço. Por isso, para além das narrativas musicais que explicitamente referem situações de fuga ao recrutamento/trabalho contratado ou à autoridade colonial, e fuga até do país, surgem temas que, apesar de cantados maioritariamente por mulheres, espelham experiências de ambos os géneros: dicotomia vida urbana/vida rural, dicotomia bens materiais/família, conflitos na vida conjugal, traição, saudade (do companheiro/a que trabalha na cidade ou da terra natal), partida e regressos das/às aldeias, sofrimento (pela solidão, viuvez ou pelo trabalho), ausência de filhos no casamento, mudança de aldeia, solidão, morte no trabalho nas minas, medo, dicotomia trabalho feminino/cuidar dos filhos e relações entre a administração colonial e a autoridade tradicional (chefes de postos administrativos, cipaios e sobas) (...)"
(Cristina Sá Valentim, IV Colóquio Internacional de Doutorandos/as do CES, 2013; ler mais aqui)
(in Spiritana Monumenta Historica, de António Brásio, 1971)
2020 fica marcado como tendo sido o início de algo que ainda se desenvolve. Sentimos como pode ser bem real uma ameaça invisível, como pode transtornar as nossas vidas. Nestes meses, pelo mundo foi provocando muitos prejuízos e consequências inesperadas. Nunca imaginamos algo assim, fora dos ecrans cinematográficos. Esta não é uma ficção, é algo que nos rouba a tranquilidade e a liberdade. Sobretudo põe em causa muitos dos nossos projetos que sonhámos concretizar a breve prazo. Não sabemos prever quando este pesadelo acabará. Uma ideia vai no entanto ganhando consciência pelo mundo fora: a confiança exige que se aja em conformidade com aquilo que fica demonstrado - a necessidade de bons serviços públicos de saúde, bem organizados, bem equipados e devidamente providos de recursos humanos. Isso impõe-se entre as prioridades de financiamento. Outra evidência é a eficácia obtida pela cooperação internacional, não apenas no âmbito da investigação científica que logrou obtermos uma vacina em tempo recorde, mas também na articulação organizativa transnacional para concretizar a sua disponibilização. Nestes tempos de angústia misturam-se pois contraditóriamente elementos de esperança.
Consulte a informação atualizada sobre a situação em Angola em https://governo.gov.ao/ao/noticias/.
A acção desenvolvida ao longo de uma semana, (18 e 22 de Maio de 2015) com professores de escolas da Província de Benguela, constituiu uma das etapas da avaliação dos recursos pedagógicos do Projecto “Escola Virtual Angolana”. Ciente da importância desta etapa para o projecto, a direcção da Sistec S.A. providenciou e mobilizou os recursos necessários para que todos os trabalhos de formação e de experimentação se desenvolvessem da melhor forma. Além da equipa de formação e de formandos, colaboraram no seminário representantes do INIDE e do Ministério da Educação, designadamente a Eng.ª Julieta Octávio, a Dr.ª Glória Gama e o Dr.º Artur João.
Como objectivo principal desta etapa da missão de trabalho, pretendeu-se formar um conjunto de professores dinamizadores da utilização do Projecto Escola Virtual Angolana (EVA), de seis escolas de ensino presencial, da 4ª à 12ª classe, de diferentes localidades na Província de Benguela, a fim de se testarem as aulas propostas na EVA.
O seminário de formação decorreu na Escola do Magistério Primário da Catumbela, com o grupo de 52 professores previamente selecionados pelos respectivos Directores das escolas com a aprovação do Director Provincial. As escolas selecionadas foram as do II ciclo do Ensino Secundário da Baía Farta, Escola Secundária dos Navegantes, Escola do I ciclo Major Saydi Mingas, Escola Primária Sagrada Esperança, ambas da cidade do Lobito, Escola 22 de Dezembro do Bocoio e ainda Escola Primária da Casa do Gaiato (a pedido da Direcção).
Os assuntos abordados no seminário, com maior relevância foram os seguintes:
Como resultado final foi realizada a avaliação pelos próprios formandos do que resultou no seguinte:
- o reconhecimento dos recursos da plataforma, como uma mais valia para o processo ensino-aprendizagem, é considerado por 98% dos formandos. Neste âmbito, muitos foram os professores que evidenciaram a sua motivação em utilizar a plataforma com o intuito de diversificar e dinamizar as suas aulas, estimulando os próprios alunos, visto que há facilidade de contextualização dos recursos ao quotidiano do aluno;
- mais de 75% dos formandos consideram que a plataforma é um bom/excelente instrumento na sua prática docente;
- 98% dos formandos considerou que o grupo apresentou um nível de motivação elevado, perspectiva também compartilhada pelo grupo de formadores, atendendo aos momentos enriquecedores de partilha e de discussão que foram criados;
- a necessidade de infraestruturas adequadas à formação, nomeadamente computadores e acessibilidade a Internet fiáveis, conforme é possível verificar nas críticas e sugestões apresentadas no formulário de avaliação;
- o facto de se poder alongar o período de formação para as necessidades sentidas por parte dos professores, aspecto que se destaca nas críticas e sugestões do formulário de avaliação;
- como futuras formações foi apontada a necessidade de formação contínua na utilização da plataforma, assim como nas áreas disciplinares, nomeadamente: na monodocência; o ensino das Ciências através do trabalho laboratorial; Matemática da 6ª classe; e Educação Moral e Cívica, entre outras.
Formação de alunos do último ano de formação do Magistério Primário foi organizado a pedido dos professores da Instituição de forma a que eventualmente pudessem usar recursos nas suas sessões de prática docente e depois do estágio.
Os alunos de 5 turmas participaram em sessões de trabalho de 3 horas.
Um total de 156 alunos foram apoiados por 5 formadores na exploração de recursos de diferentes temas do programa da 4ª à 6ª classe do Ensino Primário.
Em complemento da formação de professores foram durante o mês de Junho de 2015 até 27 de Junho, realizadas sessões de trabalho em cada uma das 6 escolas com os professores que participaram na formação no mês de Maio, de forma a consolidar práticas veiculadas na formação nos seus locais de trabalho.
J. Sá Pinto, Coordenador do Projecto EVA
Ao vasculhar a história dos tempos passados, encontramos sempre algumas curiosidades. É o caso de um projeto de instalações hospitalares a implementar visando a proximidade das populações africanas. Numa publicação de 2014, pudémos ler, deliciados, um excelente estudo de Cristiana Bastos (veja aqui), a propósito de uma maquete exposta no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa.
"(...) em vez de internar os africanos “não assimilados” em enfermarias hospitalares semelhantes às dos europeus, criar para eles uns equipamentos especiais, permitindo o alojamento da família, imitando as suas habitações. Uma situação de fusão, aparentemente, combinando o que é tomado como costume indígena e o que é explicitamente o propósito colonial. Mas esta é uma fusão controlada: estipula-se que “as casas devem ser construídas segundo o tipo indígena, mas melhorado quanto aos materiais, à capacidade, à orientação, protecção contra os raios solares, conforto e higiene, etc., de modo que sirvam de modelo para a evolução dele” (...)
"(...) no arquivo colonial, onde o discurso está condicionado a constrangimentos políticos explícitos, a adopção de costumes e formatos indígenas aparece muitas vezes acompanhada de uma retórica de distanciamento, como que justificações pedindo absolvição. Não vão terceiros pensar que estes europeus andam, como sugerem outros europeus, a cafrealizar-se; há uma hierarquia que precisa de ser explicitada, face ao perigo de equidade, igualdade, indigenização, nivelamento, simpatia que decorre da assimilação de práticas locais. Esse medo é exorcizado pelo riso, pela caricatura, pela explicitação do preconceito. Por outras palavras, o processo mimético e a incorporação de simulacros de outros não implicava equidade cognitiva ou cultural; tratava-se de um processo hierarquizado em que um dos lados parece controlar tudo. É de perguntar que fragilidades e inseguranças subjazem a essas afirmações, que jogo de espelhos se desenha quando os médicos europeus vão buscar magia e eficácia simbólica a costumes africanos."
Ouça o debate em https://app.box.com/s/csmlcli8bo9odmb2wsoavr7xy1zlkmvk
(retirado daqui)
Por Alberto Oliveira Pinto:
https://youtube.com/playlist?list=PLVocLA75qjol4WPoFpMZ4_GmneCRZdZXf
"O Museu do Dundo é um daqueles locais lendários para quem estuda a biodiversidade de África. Durante anos inacessível, tivemos a oportunidade de revisitar as suas coleções nos últimos anos. O resultado é este catálogo ilustrado das suas coleções de anfíbios e répteis, publicado na prestigiada revista do Museu de Zoologia Comparativa da Universidade de Harvard. Este é a primeira de muitas futuras colaborações com um dos mais fantásticos museus do continente Africano!"
Luis Ceríaco
in Illustrated type catalogue of the "lost" herpetological collections Museu do Dundo, Angola
Neste blogue temos noticiado importantes iniciativas nas mais variadas áreas da vida em Angola. Dedicamos especial atenção ao setor do ensino, da divulgação do conhecimento e da cultura, pois nessas áreas de ação o investimento aplicado seguramente contribuirá para a construção de um futuro melhor para o povo angolano. Salientamos hoje o caso da "Escola Virtual Angolana", uma plataforma criada para ensino online, que conta com a empenhada colaboração de Jorge Sá Pinto.
Leia mais aqui.
Fotos daqui.
“(…) o europeu para justificar a sua expansão colonial perante si próprio e perante o colonizado, teve de criar o mito da sua superioridade civilizatória e às vezes racial. Este mecanismo psicológico permitiu-lhe não tomar conhecimento dos valores culturais criados pelas sociedades colonizadas, ou desprezar esses valores, e atribuir aos povos colonizados uma espécie de inferioridade intrínseca” (…) “a dominação económica e política foi geralmente acompanhada por um menosprezo altamente atentatório da dignidade coletiva e individual dos colonizados. E um impacto particularmente nefasto de tal mecanismo consistiu em inculcar, em parte dos colonizados, a convicção de que eles, ou ao menos a sua cultura, eram de facto intrinsecamente inferiores” (…).
“A experiência histórica de uma interpenetração cultural continua, porém, até certo ponto, a marcar a(s) sociedade(s) angolana(s). (…) A indagação acerca das possibilidades de concretizar o postulado societal de uma convivência entre africanos e europeus numa Angola futura, conduz, portanto, à constatação liminar de que qualquer modalidade mutuamente aceitável dessa convivência pressupõe uma alteração incisiva não apenas dos aspetos políticos, mas também e sobretudo dos aspetos económicos/ecológicos do modelo societal em vigor (…)”.
“Ainda em relação à convivência entre africanos e europeus, uma segunda conclusão a reter é a de que a remodelação das estruturas económicas/ecológicas terá de ser acompanhada por uma mudança igualmente incisiva no plano psicossocial/ideológico/cultural. Europeus e africanos terão de passar por um processo de «libertação no imaginário», corrigindo as perceções de si próprios e da outra coletividade inculcadas pela época colonial e capacitando ambos os grupos para um esforço conjunto de elaboração de uma cultura comum, com a qual todos os componentes da futura sociedade angolana possam identificar-se plenamente.”
Leia mais aqui.
“(…) se até à Segunda Guerra mundial, acompanhando a geral tendência para a afirmação da superioridade racial dos brancos e a sua tradução explícita na legislação em vigor, o discurso colonial português não se distingue significativamente do dos outros, também é verdade que nas sociedades coloniais vizinhas de Angola os portugueses são considerados «desclassificados», entre outras coisas pela facilidade com que constituíam famílias mestiças ou habitavam nos bairros predominantemente negros. Cidadãos de um país de menor importância na Europa, povo de emigrantes pobres que não esperavam «ir de férias à metrópole» com frequência, aceitavam muitas vezes viver em condições consideradas degradantes «para um branco» (mas melhores do que as da sua aldeia de origem), «juntando-se» às mulheres locais, pelo menos enquanto não podiam casar «como Deus manda» com uma mulher da sua terra (o que muitas vezes nunca acontecia). O discurso acompanhava o da restante Europa, mas a prática da colonização estava muitas vezes mais em consonância com os tempos passados, da Angola-terra-de-degredo.”
“(…) nas colónias portuguesas o factor «racial» teve uma importância variável ao longo dos tempos e foi particularmente decisivo na estrutura da sociedade colonial nos últimos cem anos da colonização. Era evidente que uma cor de pele mais clara dava mais hipóteses de ascensão social, e o racismo foi especialmente acentuado na primeira metade do século XX, com distinções entre brancos e negros no acesso à cidadania. Mas não bastava a «raça» para definir o estatuto socio-económico, o nível de vida, o índice de escolaridade ou as regras de conduta de cada um, devendo esse indicador ser conjugado com outros para compreender a realidade social e a sua dinâmica. Nos últimos anos coloniais, não havendo já barreiras jurídicas entre os cidadãos, restava a herança das diferenças de estatuto socio-económico, de oportunidades e, evidentemente, dos preconceitos inculcados durante gerações” (…).
Maria da Conceição NETO, in Lusotopie 1997, pp. 327-359
Como é sabido, Barbeitos é conhecido como Poeta Angolano. A quem interessar, a ligação para o seu Curriculum Vitae é https://www.yumpu.com/pt/document/read/7207479/professor-arlindo-barbeitos-curriculum-vitae-adelino-torres. Contando 79 anos, na sua rica vivência sobressai o envolvimento com a causa nacionalista, desde jovem. De um seu texto publicado em francês (*) extraímos os seguintes excertos, que traduzimos, eperando não desvirtuar o seu estilo literário.
“Na minha infância e adolescência, a interpenetração social facilitou a criação de espaços comuns. Ela se concretizou em brincadeiras e diversões infantis, no desporto, em bailes populares e em muitos dos momentos únicos que a vida em África possibilita. Tais experiências são tão cativantes que marcam para sempre, para lá da sua origem, todos aqueles que as compartilharam e certamente contribuem para determinar a sua construção identitária.” (…) “A vivência direta desses momentos, de grande intensidade, quando as fronteiras traçadas entre as pessoas se turvavam ou se desvaneciam, produzia a imagem fugaz mas persistente de uma virtualidade desejável e possível que se opunha ao cinzentismo circundante.” (...) “Nos tempos coloniais, o Branco desprezava o que nele havia de Negro, e o Negro tinha ciúme do Branco que nele estava. Agora que o Branco se foi, o mestiço o substituiu. O ciúme não desapareceu, mas transformou-se numa espécie de raiva contra ele, alimentada pelo sentimento racista. Seja no passado ou no presente, o racismo está sempre ao serviço de interesses e dissimula os meios a que as pessoas recorrem para os satisfazer. Originalmente, as raças nada têm a ver com isso, mas tornam-se num ingrediente essencial quando se crê na sua responsabilidade. A questão racial esconde, portanto, as reais questões e as motivações dos atores.” (...) “É aí, no seio desta acidentada gestação, produzida por todos os antagonismos, solidariedades e incompreensões, pelos desastres e pelas alegrias que o confronto dessas forças gerou, que as identidades nascem e morrem. Estas, como as raças, as etnias, as nacionalidades e os documentos de identificação, são entidades que criamos inconsciente ou conscientemente. Elas representam categorias mentais e construções sociais e políticas. Nesse sentido, somos todos homens imaginários! Depende, pois, sobretudo de nós, e não de uma fatalidade biológica, geográfica ou histórica, que qualquer identidade, negra, branca, mestiça, kikongo ou outra, transforme em cicatriz ou pele rejuvenescida esta ferida aberta que é Angola. Nossa raça, nossa etnia, nossa nacionalidade, nossa identidade, são apenas a face singular e mutante desse ferimento. Aberto ou curado...”
(*) Arlindo BARBEITOS, Lusotopie 1997, pp. 309-326
“Quando, em 1876, os últimos escravos angolanos terminaram o período de serviço que a Lei de 25 de Fevereiro de 1869 os obrigava a prestar aos seus antigos senhores, Angola era constituída por quatro distritos (Zaire, Luanda, Benguela e Moçâmedes), abrangendo uma área de cerca de 100.000 km2 na planície litoral e um vago controle sobre entrepostos comerciais no interior. Cerca de 3.000 pessoas de origem europeia e quase meio milhão de indígenas habitavam este território, cuja situação económica não era invejável, restringidas as exportações a bens resultantes de actividades de predação, tais como o tradicional marfim ou a cera, e à produção de algumas escassas plantações, principalmente de café. Um século depois, quando, em 1975, Angola se tornou um Estado independente, a situação era completamente diferente. O território alargara-se, sobretudo com o controle dos planaltos do interior, até uma extensão de cerca de 1.247.000 km2. A população de origem europeia aumentara até cerca de meio milhão e a população de origem africana atingia perto de 6 milhões. A economia apresentava-se próspera, quer devido à existência de exportações consideráveis de produtos agrícolas (café, algodão, açúcar, sisal e outros provenientes de plantações; milho proveniente de explorações tradicionais) e minerais (diamantes, ferro e petróleo) e mesmo de serviços (particularmente através de trânsito para o Shaba, antigo Catanga, pelo caminho de ferro de Benguela), quer devido ao início de um processo de industrialização.”
“No segundo período colonial verificou-se a construção de uma economia nacional — condicionada pelos interesses económicos da metrópole e pelas oscilações dos mercados externos — que serviu de suporte à abertura da economia angolana ao exterior, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, e potencializou-se a viragem da estrutura produtiva na década e meia que antecedeu a independência com a implantação de uma base produtiva dinâmica e diversificada. Com a independência, o elo essencial de ligação ao exterior da economia angolana passou a ser o petróleo. A base produtiva anterior foi sendo destruída e evoluiu para uma combinação de empresas públicas, mercados ilegais e economia de autoconsumo.”
(N. Valério et M. P. Fontoura in “A evolução económica de Angola durante o segundo período colonial — uma tentativa de síntese”, Análise Social, vol. XXIX (129), 1994 (5.°), 1193-1208)
(fotografia de J. C. Pinheira, in "Angola, Dever de Memória" - volume 4)
“Segundo os próprios Kuvale a repressão de 1941 não terá visado tanto a neutralização de um levantamento politicamente fundamentado, dotado dos seus líderes e de uma consciência colectiva orientada nesse sentido, quanto a manifestação da brutalidade de uma política colonial incapaz de controlar-se a si mesma face a populações tradicionalmente reconhecidas como indóceis, ladrões de gado, avessos ao pagamento do imposto e à prestação de serviço braçal. Uma tentativa, talvez, de "domesticação" de um grupo que insistia em manter-se à margem da ordem colonial numa altura em que importava já, à administração portuguesa, dar provas da sua "acção civilizadora". São-me referidas, de facto, figuras como Tyindukutu, por exemplo, que adquiriram projecção na época e cujo aniquilamento se justapõe à repressão em causa.”
“(…) os colonos foram embora, os terrenos ficaram, as vedações perderam o sentido e os Kuvale deixaram de sofrer qualquer entrave à afirmação do seu domínio sobre o meio e o seu próprio destino (…). E ficaram os bois, também, que os colonos deixaram.”
“Estarão assim os Kuvale a evoluir para uma condição de minoria nacional privada de representatividade e condenada à exclusão? Não o creio. A seu favor jogarão sempre pelo menos três factores: o gado, o território que ocupam e a capacidade que é a sua de extrair uma alta produtividade da conjugação destes dois elementos num meio difícil e de alto risco para quem esteja menos habilitado a geri-lo.”
Duarte de Carvalho, in “O FUTURO JÁ COMEÇOU? TRANSIÇÕES POLÍTICAS E AFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA ENTRE OS PASTORES KUVALE (HERERO) DO SUDOESTE DE ANGOLA”, 1994
(fotografias de J. C. Pinheira, in "Angola, Dever de Memória" - volume 4)
CULTURA
Atlas dos Anfíbios e Répteis de Angola (inglês)
Jornal Angolano de Artes e Letras
Portal do Uíge e da Cultura Kongo
Revista Angolana de Ciências Sociais
Revista Angolana de Sociologia
União dos Escritores Angolanos
DESPORTO
Federação Angolana de Atletismo
ENSINO SUPERIOR
Faculdade de Medicina (Lubango)
Instituto Superior Politécnico Tundavala
EVOCATIVAS
Instituto Comercial (Sá-da-Bandeira)
FOTOGRAFIA
Fotos de Angola no Skyscrapercity
Galeria de Diamantino Pereira Monteiro
Galeria de Tiago Campos de Carvalho
Sérgio Guerra- Banco de Imagens
GERAIS
HISTÓRIA
Angola Do Outro Lado Do Tempo...
Angola na Biblioteca Digital Mundial
Grupos Étnicos na Década de 30
INFORMAÇÃO
INSTITUIÇÕES
Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente
Associação dos Empreendedores de Angola
Câmara de Comércio Angola-Brasil
Câmara de Comércio e Indústria
Delegação da União Europeia em Angola (Facebook)
JORNALISMO
MISCELÂNEA
SAÚDE
Biblioteca Virtual em Saúde - Angola
TURISMO