Uma apaixonante e esplendorosa terra, um magnífico povo! Será brilhante seu futuro, construído por todos os que têm Angola no coração, que nela ou na diáspora trabalham e com amor criam suas famílias.
Quinta-feira, 9 de Fevereiro de 2023
Homenagem

 

O nosso amigo Neco Mangericão partiu, no passado mês de novembro. Com tristeza, não mais podemos contar neste blogue com a sua colaboração. Natural de Moçâmedes, foi ilustrador de grande mestria e poeta. Todos que o conheceram lamentam a perda de um afetuoso companheiro. Como singela homenagem, publicamos um dos seus poemas:

 

Vinde e Ceai

 
Aqui, cansado dos riscos que estou fazendo,
de em papéis, fotos e lápis estar mexendo,
e farto da patacoada que vejo crescendo.
Aí, os meus conterrâneos reclamando e dizendo:
- Por onde andas que não vais aparecendo?

O que faço, Quianda, sabes bem, não minto,
(pois já viste o trabalho que faço neste recinto),
é entregar-me totalmente aquilo que sinto,
mas não tanto como parece e, até pressinto,
que há quem leve isto já... à conta do absinto

com que, em Maconge, se reverdece a velhice, dizem.
Por isso que os Cardiais e Bispos do Reino o benzem,
exortando o vigor juvenil aos que já não o sentem
e que confiem, pois as virtudes do néctar não mentem.
E assim, também, os «Viróviras», e os ditos que aquecem...

É por um tempo nunca esquecido. Pelo néctar não cai.
Não faria então sentidos vir a correr, até do Paraguai.
Decerto que não é por isso que a nossa Malta lá vai.
O que a leva e sente, é uma saudade que não se esvai.
Se me querem ver, ide às Ceias. Vinde todos e ceai...
 
 

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Domingo, 15 de Janeiro de 2023
(autor desconhecido)

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Sábado, 13 de Agosto de 2022
Transumância, de João Sá Pinto

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Quarta-feira, 10 de Agosto de 2022
Manuel Fonseca e os aviões

"Gosto de aeroportos e de aviões. Estes são oito episódios gentis de um tempo em que o aeroporto era mão na mão com o sonho. Dizem-me que hoje é o desenho do caos.

OS CHORIZOS DE MELANIE

Cancelados, os aviões deixaram de alimentar de sonhos os olhos dos meninos que esquadrinhavam os céus à procura do messiânico futuro e de outros mundos longínquos. Os aeroportos são hoje uma paisagem crispada, atafulhada, tensa, de multidões furiosas: canceladas e furiosas. Eu quero pedir desculpa ao avião e ao aeroporto do meu tempo. E evoco, desse tempo, oito coi­sas singelas:



1. Quando eu era um monan­den­gue, cal­ções pobres e sonhos de luxo, e isso foi em Angola, tinha dias em que ia para a varanda do aero­porto de Luanda ver os aviões levan­tar vôo. O baru­lho ator­do­ava e a gaso­lina chei­rava a vitória.

2. Que­ria ter asas e voar, mas aprendi: não é Ícaro quem quer e não é qualquer um que é Jardel para voar sobre os centrais.

3. Já ves­tia um fati­nho executivo, o pes­coço aper­tado por uma gra­vata e a cabeça ata­fu­lhada de excel e logís­tica, quando, na SIC, apoiá­mos um docu­men­tá­rio em que dois monan­den­gues moçam­bi­ca­nos, i­guai­zi­nhos (ou desiguaizinhos?) ao meu “mim” do aeroporto de Luanda, pas­sa­vam os dias no aero­porto de Maputo a ver aviões levan­tar e ater­rar. Um deles expli­cou ao outro como é que era voar de avião: “Quando o avião sobe no ar, as pes­soas des­maiam lá den­tro, então! Via­jam já des­mai­a­das e acor­dam quando o avião aterra.”

4. A pri­meira vez que via­jei de avião – ou des­maiei, então – foi num Fri­endship da velha DTA, de Luanda ao Lubango. Des­maiei, sim: íamos no meio das nuvens de algo­dão doce, a terra era um cho­co­late cá em baixo, rios de cho­co­late líquido, uma fenda cha­mada Tun­da­vala, aberta pela colher de um menino na quen­tís­sima mousse angolana.

5. Lembro-me, lembro-me. Foi a primeira vez que sobrevoei a outra África. A janela de um Boeing, onde eu por acaso ia, cho­rou uma lágrima a ver o nas­cer do sol sobre o Sahara. O dedo do avião lim­pou a gota que caía, com ver­go­nha que o céu visse.

6. Já era outro Boeing. Da British Airways, de Londres para Los Angeles. Estava lá em baixo o quase Pólo Norte, a doer de branco, a tiri­tar de frio e, em aque­ci­mento glo­bal, ia ali, deitada a uma cadeira de mim, a Mela­nie Grif­fith, loura, num sos­sego e sono que um Blo­ody Mary embalara. Quando chegámos, os cães detectives snifaram-lhe coisas na mala. Os fiscais puxaram os cães para trás: “É a Melanie Griifth, disseram”, cheios de respeito e distância. E eu tenho a certeza de que – vinha ela de Espanha, de casa do Banderas – na mala eram só chorizos e manchegos, mimos e amuse-bouche andaluzes.

7. Foi em 1967, julgo. O adolescente que eu era estava na pista do aeroporto de Luanda – nesse tempo ainda se podia ir à pista – e o avião de Lisboa trazia o Benfica. Na noite tro­pi­cal de Luanda, um bruto capa­cete de humi­dade em cima, des­cendo a escada do avião, emer­giram os astros: pri­meiro o senhor Otto Gló­ria, depois o senhor Coluna, o senhor José Augusto e, logo, os miú­dos Eusé­bio e Simões. E eu na pista, a ter agora a cer­teza de que, se há estre­las no céu, podem sem­pre des­cer à terra. O que não sabia é que as estrelas cheiravam. Antes de aterrarem, tinham ido todos perfumar-se. O aeroporto de Luanda rescendia a Guerlain, Aramis, Opium e Azzaro. Cheirava bem, cheirava a Benfica.

8. Foi um estalo. O estalo do mundo a partir-se. Lembro-me desse dia, de 1975, desse começo de tarde, em Luanda, quando um Mig, sou capaz de jurar que mesmo por cima da Vila Alice, rom­peu a bar­reira do som. Um estalo super­só­nico e, uau, os ouvi­dos rotos de infi­nito. Como se andassem bisontes no ar, foi o estam­pido do céu e toda a gente a gri­tar em terra: “A vitó­ria é certa!”"


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Sábado, 6 de Agosto de 2022
Manuel Fonseca e o Liceu de Luanda

"E por causa das fotos do velho Liceu Salvador Correia, lembrei-me de desencantar o que disse a uma sala de 300 antigos alunos, no centenário da Fundação do mais belo liceu do mundo. É uma declaração longa, só para quem se entretém com nostalgia e um par de lágrimas.

DECLARAÇÃO DE AMOR AO MEU LICEU

Saúdo os meus companheiros participantes nesta sessão, o Eurico Neto que acabou de falar, o meu tão poético amigo Nicolau Santos e o Justino Pinto de Andrade, a quem faço uma vénia, pelo que ele deu, de corpo e alma aos ideais de independência e de dignidade humana que à ideia de independência devem estar associados.

Agradeço também à Associação dos Antigos Alunos do Liceu, o convite que o Eurico Neto e o Anibal Russo me fizeram, para ser um dos oradores, e que só é explicável pela bondosa amizade com que o Eurico e o Aníbal me brindam. Tentarei não os desiludir e não vos desiludir.

E sobretudo quero, mais do que agradecer, saudar a vossa presença, a presença da malta do Liceu:

Viva a malta do Liceu

Viva a Malta sempre fixe

Quem não pensa como eu

Que se mate ou que se lixe.

Mas vamos começar por onde as coisas devem começar, pelo mais importante, pelas coisas essenciais. O Liceu Salvador Correia é o liceu mais bonito do mundo. Eu sentir-me-ia obrigado a repetir esta afirmação, para vos convencer, se ela tivesse um carácter ideológico ou um grão que fosse de subjectividade. Não é o caso.

Ser o Liceu Salvador Correia o mais bonito do mundo é um facto científico, ditado pelo meu estudo e observação directa de todos os liceus do mundo. Não há nenhum que se lhe compare, que lhe chegue sequer aos calcanhares, sabendo-se ainda por cima, que nem o Liceu, nem Salvador Correia eram lá muito de ter calcanhar de Aquiles.

E agora que já estabelecemos o dado científico de partida, a única e inultrapassável beleza do nosso Liceu, que é a Vénus de Botticelli de todos os liceus, deixem-se ser emotivamente subjectivo.

O Salvador Correia foi o meu liceu. Que eu servi e que tão bem me serviu a mim, por sete anos, os mesmos anos que, ensinou-nos Camões, Jacó serviu a Labão, por amor à serrana bela que era Raquel, a filha de Labão. Também os meus sete anos de Liceu foram sete anos de amor.

Ora, eu só acredito no amor à primeira vista e quando, com dez anos de idade, cheguei aos celestiais portões de ferro da então Brito Godins, caí logo para o lado, a pingar amor. Estava lá em cima o Liceu, aquelas duas grandes alas norte e sul, de braços abertos, a dizerem-me, não tenhas medo, vem, “sê grande”. “Sê grande”, era isso o que a escadaria do Liceu me dizia, logo a mim, tão pequeno, tão cambutinha.

E havia, muitos de vós lembrar-se-ão muito melhor do que eu, havia duas suces­si­vas esca­da­rias, uma, primeiro, logo a seguir aos portões, a outra mais curta antes das majestosas colunas de entrada.

Essas duas escadarias, cada uma à sua maneira, estavam sem­pre a dizer-nos, “sobe mais um degrau”, “sobe mais um degrau”.

Tenho a certeza de que muitos de vós estão agora a lembrar-se de ter ouvido essa voz do Liceu, porque o Liceu falava e era polígamo e poliândrico, tanto me amou a mim, como nos amou a todos, rapazes e raparigas, um a um.

Faço um parêntesis para dizer que não pretendo, nem quero fazer, uma análise histórica, política ou sociológica do que foi o papel do Liceu Salvador Correia. Venho falar de uma perspectiva subjectiva e, por isso, tenho de falar um pouco de mim, para se perceber a secreta paixão assolapada que me deu ao ver o Salvador Correia.

Um dia de 1959, o paquete Vera Cruz atracou ao Porto de Luanda e, entre malas e fardos, saí também eu, um miúdo de cinco anos, agarrado às saias da minha mãe. Do porto fui para a minha primeira morada em Luanda, no musseque Sambizanga, numa rua, se assim lhe podemos chamar, de terra vermelha e charcos, rua que ia da Casa Branca e entrava musseque dentro. Era lá que o meu pai tinha já arranjado casa.

Os sociólogos dirão que nos musseques não havia brancos, a não ser os fubeiros. Não é o caso do meu pai e da minha mãe que nunca venderam coisíssima nenhuma a ninguém.

Éramos mesmo e só moradores. Fomos morar para o Sambilas porque foi a casa de tijolo possível, com luz e água, para os recursos paupérrimos que tínhamos. O meu pai tinha então uma motorizada e um bandolim. E foi assim que eu comecei a ser feliz em Angola.

Da mesma forma, frequentei a Escola Primária da Missão de São Paulo, dos padres capuchinhos, em cuja população estudantil eu era então um dos raros miúdos brancos.

Aos oito anos, uns bons meses depois do 4 de Fevereiro de 61, tendo o meio de transporte da família mudado de uma ranhosa motorizada NSU, para uma pujante moto BSA, em segunda ou terceira mão, os meus pais levaram-me para a Vila Alice. Ainda o bairro não era asfaltado e fui morar numa rua em que viriam a ensaiar os Negoleiros do Ritmo, a rua Alberto Correia, onde morava o velho Benje, Pedro Benje, que foi um dos primeiros mortos nos confrontos raciais pós 25 de Abril. Essa rua, vamos já ver, tem muitas ligações ao Salvador Correia.

Se trago isto tudo à colação, é só para situar o miúdo que, em 1963, pequenino, sorridente e tímido, ou sorridente porque tímido, chegou às portas do Salvador Correia, pendurado nos seus calções e numa camisinha terylene branca de manga curta. O miúdo, como se pode ver, era um miúdo branco de família pobre.

A par do brio e da educação que os meus pais beirões me incutiram, o imponente e grandioso Liceu Nacional Salvador Correia foi o que hoje chamamos um “elevador social”, o “meu elevador social”.

O Liceu levou-me ao colo numa aventura de conhecimento, deu-me a conhecer a História e a Geografia, as Ciências Naturais, fortaleceu o meu gosto pela leitura, deu-me um banho de moral, abriu-me o apetite à reflexão e ao pensamento, e acima de tudo abriu-me os olhos à beleza, dando-me um sentido de estética, de equilíbrio e harmonia, que considero o maior legado que trouxe do Liceu.

Por culpa minha, fui o maior desastre a matemática e por culpa dos meus genes, o desenho e o canto coral do liceu mostraram-me que qualquer tentação de seguir carreira artística estava condenada ao mesmo falhanço humilhante porque passou o secretário de estado americano da defesa, Donald Rumsfeld, quando quis publicar poesia.

Mas para vos contar tudo isto, para vos mostrar a minha dívida ao nosso Liceu, deixei-vos ficar pendurados na escadaria. Vamos entrar.

Ainda não passámos pelas portas grandes, ainda não passámos o átrio com a secretaria, nem desembocámos, enfim, no fantástico corpo interior, nesses claustros que, felizmente não eram claustros de san­ti­dade, mas sim claustros de vida.

Acho que nin­guém tem voca­ção para santo. Só se vai para santo depois de se falhar a voca­ção para se ser pelo menos um bom diabinho. E o nosso liceu foi também, pelo menos em parte, o pro­jecto de um “Lúci­fer da educação”, Mon­se­nhor Alves da Cunha. Foram muitos e ínvios os cami­nhos da santidade que cri­a­ram o Salva­dor Correia.

Por falar de claustros, no pri­meiro dia de aulas, havia uma praxe, fazer-se uma careca de frade a cada caloiro. Como se entrás­se­mos no mos­teiro. Ou seja, antes de entrar­mos no mos­teiro, raparem-nos a careca era o nosso último canto pro­fano, mais gen­til do que gros­seiro, a nossa macia car­mina burana. Depois entrá­va­mos: e o liceu transformava-se num mosteiro do conhecimento, de experiência e de vida, com uma única devo­ção, a de sermos muito melho­res.

Mas era um mosteiro com jacarés. Se bem se lembram, no nosso liceu virado para o Atlântico, apontado a Oeste, havia dois pátios. Quem via um quase via o outro — mas só num, no pátio norte, o da sala dos professores, havia o tan­que dos jaca­rés. E quando digo jacaré, digo mesmo jacaré, espécie crocodiliana de boca grande, olho de cachucho, o bicho que olha de lado.

Os seres humanos comuns, que nunca tiveram a felicidade de pôr um pé no Salvador, não acreditam nisto. E há colegas nossos que já começam a pensar que os jacarés são uma fantasia, uma cena da memória a pregar-nos uma partida. Mas não! Estavam lá, existiram. Há quem diga que era só um, mas eu acho que eram dois, e aí sim, já receio que a memória me esteja a tirar o tapete.

Seja como for, na varanda do primeiro andar sobre esse pátio do jacaré, a uma parva insi­nu­a­ção dos meus 13 ou 14 anos, uma menina de olhos azuis agarrou-me na mão, pôs-me a sobre o já esfé­rico peito dela e disse-me que por mim só nutria sen­ti­men­tos maternais. Por isto e pelo jacaré bem se vê como o nosso liceu era avançado. E agora, é altura de entrarmos numa das salas de aula.

Bem preparado pela minha professora primária Emília, da escola da Missão de São Paulo de que já vos falei, comecei o liceu no distinto quadro de honra, mas o segundo ciclo, com aquele sobressalto hormonal que dá a volta ao nosso físico de rapazes, somado ao desastre que foi a minha relação com a matemática, mudou tudo.

Ora, eu acho que essa mudança começou num episódio com uma certa figura lendária. Perdoem-me tratá-la assim, e eu sublinho já que o faço com carinho, a figura lendária era a professora Joana Bocarra, a professora Maria de Lurdes.

Vejamos, a professora Joana Bocarra entrou na sala. Levantámo-nos todos, como os preceitos de boa educação nos ensinavam e eu levantei-me também, claro, mas já a esconder-me numa das carteiras do fundo para evitar chamadas ao quadro, como quem foge com o rabo à seringa. A professora Joana lança um olhar de fogo à sala, e abre-se-lhe a temida boca num berro, dedo apontado na minha direcção: “O menino lá atrás porque é que não se levanta”. Ora eu, caramba, já estava tão de pé quanto se podia estar.

A minha fantástica altura foi sempre um motivo de grande animação, a começar pela primeira aula de Religião e Moral, com um padre que tinha acabado de chegar dos Estados Unidos e que nos incitava à igualdade de classe dando o exemplo dos filhos dos generais americanos que nas férias trabalhavam a distribuir jornais ou a vender cachorros quentes. No primeiro dia, olhou para mim e baptizou-me. “Tu és o Pica-Miúdo”, comparando-me com uma célebre figura de Coimbra, o Pica, que andou dez anos ou mais para fazer o curso na Universidade. E fiquei Pica-Miúdo, e depois só Pica, o que me trouxe uma imerecida e injusta fama quando, para se fumar um coche de liamba, se passou a dizer “vai uma pica, meu!”

Mas não foi este padre, que eu julgo chamar-se Fernandes, e que teve passagem efémera nesse meu primeiro ano, o professor que me marcou. Até para fazermos ligação com a minha instabilidade hormonal dos 12 anos, deixem-me falar da professora Mimi. Foi a minha professora de inglês e única professora de inglês que eu tive. A mim marcou-me mais do que a qualquer outro aluno do liceu, porque ela morava na minha rua, que já entretanto se asfaltara e começava, lindamente, a aburguesar-se.

De 1965 a 1968, passei três anos de olhos postos na professora Mimi. Para mim, ela incarnava tudo o que de moderno havia nesse tempo. Melhor, incarnava o que que ainda nem havia nesse tempo. Só mais tarde, quando vi o filme Blow-up, de Michelangelo Antonioni, é que percebi que eu tinha estado de olhos postos, durante três anos, na esplêndida linha de pernas que marcou a swinging London de 68, a linha de pernas de modelos como a Jane Birkini.

A professora Mimi, minha vizinha de rua, guiava um Triumph azul descapotável e a sua chegada ao liceu era aguardada e saudada com o mesmo bruá de contentamento e espanto estético que, hoje, o turista dedica à Acrópole ou ao Louvre, em Paris.

Devo à professora Mimi o gosto pelo inglês e, sobretudo, pelo cosmopolitismo, de que sou um convicto adepto.

Na minha rua, depois da professora Mimi se casar – e eu, de coração aflito, vi-a sair de vestido de noiva – veio morar a professora Laura, que viria a ser a minha professora de alemão. O que subi e desci a minha rua, com uns patins que então tinha comprado, acima e baixo, para ter um vislumbre do saber magistral da excelente professora que ela era.

E deixem-me falar brevemente de meia-dúzia de colegas. Dos anos juvenis do liceu, recordo o Carlos Fernandes, o Bazófias, maravilhoso e delirante contador de histórias, que está agora na Câmara de Sintra. Com ele e o mano mais novo dele, o Jorge, fiz, anos e anos, o caminho do liceu à Vila Clotide.

Também partilhei aquelas carteiras de dois lugares, com o Bito, o Álvaro Pacheco dos Santos, que foi director da Cinemateca de Luanda e adido cultural de Angola no Brasil, e com quem mantive contacto até ele falecer, e com o António Henriques, que eu julgo ter chegado a ministro das finanças ou economia de Angola nos anos 80, e que tinha a caligrafia mais bonita e perfeccionista que vi em dias da minha vida. A ele é que, infelizmente, nunca mais o voltei a ver, embora julgue que está são e salvo.

Nos meus últimos anos de liceu, na alínea E, numa turma que juntava Direito e História, os meus colegas mais famosos ou populares foram a Paula Pena, tão prematuramente falecida, e o Edgar Valles, irmão da Sita e do Ademar, cuja tragédia conhecemos e cujo ciclo de luto se espera que Angola faça, em breve, com justiça.

O Edgar, felizmente, está vivo e é, hoje, um jurista prestigiado. Dessa turma faziam também parte o Redinha, o mano mais velho, filho do famoso antropólogo; um descendente de Eça de Queiroz, primo do bisneto António Eça de Queiroz, meu grande amigo; o charmoso Cid Belo, amigo que não vejo há anos; e o Luis Azevedo, que trouxe a primeira Playboy.

A revista era impressa num couché tão suave, que passávamos horas a analisar o índice de mão do papel, fugando a algumas aulas, ali à sombra da estátua do poeta Tomás Vieira da Cruz, na rampa do liceu. É possível que o velho e sério Tomás Vieira da Cruz tenha, uma ou outra vez, arregalado os olhos com certas imagens que via.

Desses dois anos finais, emerge uma professora que foi, para mim, como no 5º ano já o tinha sido um professor de português, o excelente professor Montenegro, marcante para a minha ideia de cultura e pensamento e para a minha escrita. Estou a falar da professora Vera Gil, que nos deu, no 6º e 7º anos, literatura, com uma exigência mas também com uma emoção estética que converteram os meus 16 e 17 anos ao deslumbramento que é a leitura.

À professora Vera Gil devo a primeira percepção de que a literatura, a poesia e o romance, a crónica, são, antes de mais, emoção. E, depois de serem emoção, são também saber, um saber que se confronta, na forma íntima que é a leitura, com a diversidade da experiência humana.

E aprendi que, se dependêssemos apenas da experiência da vida jamais teríamos, em diversidade e proximidade, o que a literatura nos oferece. A leitura é emoção estética, é saber e é experiência de vida, esta foi uma das lições do meu liceu.

O Liceu Salvador Correia era um liceu de Luanda e Luanda era, então, a capital de uma colónia portuguesa, Angola. De 63 a Junho de 70, os anos em que o frequentei, esse liceu, que depois da independência se passaria a chamar Mutu ya Kevela, era frequentado maioritariamente por alunos brancos, se bem que fosse crescente a frequência de alunos mestiços e negros.

Eu vinha, como já disse, de uma escola em que o pingo de leite que eu era, constituía uma imensa minoria. E ainda tinha, dos oito anos, ecos do meu triénio no Sambilas. Mesmo nos arredores da Vila Alice, a minha frequência do São Domingos, cinema da igreja Nossa Senhora de Fátima, também dos padres capuchinhos, tinha-me habituado a ser minoria. O liceu foi o primeiro sobressalto à normalidade demográfica da maioria negra.

Julgo que vivi essa clamorosa discrepância com inocência, dos 10 aos 15 anos, a inocência dos factos consumados que não nos lembramos sequer de interrogar. A turma do 6º ano, com o Edgar Valles e a Paula Pena, ajudou-me, aos 16 anos, ao primeiro bocejo e espreguiçar de despertar político.

Lembro-me de termos feito uma greve silêncio nas aulas de religião e Moral. Lembro-me de integrar com o Edgar Valles e mais dois colegas – e julgo que devo ter ido como mascote – uma comissão que foi contestar uma coima e outras punições que o professor Lucas, então reitor, nos aplicou por danos provocados a carteiras com inscrições a canivete e a estátuas de gesso da bela sala do nosso 6º ano.

O que nós lhe dissemos no gabinete de reitor em que nos recebeu, mereceu-lhe um despacho lido em todas as salas de aula, e cujo espírito era mais ou menos este: “Vieram ao meu gabinete quatro manjericos, feitos anjinhos, a protestar inocência no vandalismo das carteiras e estátuas de gesso…” e continuava por aí adiante. Julgo que fomos poupados a punições, substituídas por trabalho de limpeza às peças danificadas.

Eu regressava do liceu a pé para a Vila Alice. Nos anos em que as aulas eram à tarde, regressei muitas vezes, fazendo eu e mais dois ou três, companhia ao nosso célebre Videira, que depois continuava, a pé, em direcção, julgo eu, ao musseque onde vivia.

Não quero, nem seria admissível, tirar qualquer ilação política dessas caminhadas, mas conversar e caminhar ao lado do Videira consolava a minha alma idealista que desejava então, e deseja ainda hoje, felizmente, termos um mundo perfeito. Noutra coisa, continuo na mesma, não sabia então como é que se convertia o mundo, num mundo perfeito, e continuo hoje sem saber. Com uma pequena diferença, aprendi com os meus próprios erros, a temer os que sabem como fazer um mundo perfeito.

O Liceu Salvador Correia não era um mundo perfeito, mas era um pequeno universo com vida própria. Retenho o valor essencial desse pequeno universo: a tolerância. O espaço físico do liceu Salvador Correia ajudava. Ora lembrem-se lá comigo.

Havia o inesquecível balcão da cantina, a que, na primeira vez a que lá cheguei, pedi ao Videira um jesuíta e uma coca-cola, pagando-o com o primeiro dinheiro de mesada, e sentindo que tinha aos 10 anos chegado a adulto.

Tínhamos os campos de jogos, o rink de hóquei e de andebol, o campo de basquete, os campos de ténis em que só se jogava futebol e onde vi um dos nossos colegas apanhar a bola em chulipa, passá-la sobre mim e continuar a correr, bola controlada, deixando-me completamente buelo, como se dizia no meu bairro: “Ficaste buelo, então”.

E a seguir havia as barrocas. As que estavam depois do campo de basquete, eram enormes, com uma mata, terreno aberto a verdadeiras batalhas campais e a outras aventuras.

Havia a torre com o sino e o relógio e o ninho de corvos sobre o ginásio de que era imperador o nosso professor de educação física, o professor Ramalho, senhor absoluto daquela ala. Por causa do amor que ele tinha ao ginásio, e para não vir para os campos exteriores, juntava à ginástica uns jogos de futebol de salão em que as balizas eram as caixas de base dos plintos. Esse jogo tinha as regras mais estranhas que alguém poderia inventar, dois atacantes e dois defesas, cada um com áreas territoriais proibidas.

Havia o salão nobre e a extraordinária biblioteca, onde pela primeira vez li o livro que eu julgava o mais proibido, O Crime de Padre Amaro, local excelso de leitura, mas também por vezes de furtivo e doce contacto com os joelhos e as pernas de algumas colegas.

E havia, acima de tudo, uma imensa liberdade física. Era essa a grande alegria do nosso liceu. A maior explosão era o último dia de aulas, com a queima dos cadernos e a queima do boneco de trapos, metáfora do ano que acabáramos de vencer.

À sombra do painel do Impé­rio, vi ati­rar as primei­ras pedras à polí­cia, em dia de encer­ra­mento do ano lec­tivo. As mesmas mãos que atiravam pedras eram as mãos que queriam e iam, cheias de enlevo e doçura, assinar o nome nas batas bran­cas das colegas do liceu, outro dos rituais de fim de ano escolar. Sei lá porquê, queríamos sempre assinar sobre o seio de mel ou sobre a coxa de canela.

Essas meninas eram tão nossas que se um estranho as abordasse, logo diríamos “Ó meu, larga o osso que não é teu, é da malta do liceu”.

E acabo como comecei, com o essencial. O Liceu Salvador Correia, comemora agora cem anos da sua criação. O edifício de 1942 foi recuperado com carinho pelo estado de uma Angola independente. Chame-se Salvador Correia, Mutu ya Kevela ou só Liceu de Luanda era e é o liceu mais bonito do mundo.

É impossível não sermos tocados pelo esplendor do  Salão Nobre, pela biblioteca, pelos claustros e pelos azulejos, pelos jardins e pela escadaria, pela nobre mangueira sobre a Brito Godins. Essa beleza dignifica o que de melhor a humanidade já fez, criar saber e transmitir saber. Chegámos a esse nosso liceu crianças de dez anos, saímos de lá quase homens ou mulheres de 17 anos. Rimos como uns doidos, chorámos baba e ranho, tivemos momentos de frustração e êxtase e foi isso que fez de nós os seres humanos que somos.

Hoje, nesta nostálgica tarde de Fevereiro, cai sobre nós uma onda, uma calema de saudade. Fechamos os olhos, e eu peço que fechem os olhos, a voz do Videira, o seu canónico “não sabem esperar” entra-nos pelos ouvidos como música de fundo, e voltamos a ver aquela imensidão, a rampa, as escadarias, os campos, a fachada, o torreão e o casal de corvos e sabemos que esse passado, esse passado tão bonito e tão jovem, não voltará. Nunca mais.

O liceu, a Mimi, a Vera Gil, o reitor Lucas, os nossos calções curtos, o calor e a liberdade juvenil, a colega de olhos azuis, nunca... nunca mais...

Cito a tradução que Fer­nando Pes­soa fez do poema O Corvo, que Edgar Allan Poe escreveu a pensar, estou certo, nos corvos no nosso Liceu:

Minha soli­dão me reste!

Tira-te de meus umbrais!

Tira o vulto de meu peito

e a som­bra de meus umbrais!

Disse o corvo, “Nunca mais”."


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publicado por zé kahango às 21:51
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Quinta-feira, 7 de Julho de 2022
As Missões Católicas do Sul

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  1. MOSSAMEDES, outubro de 1881:

JOSÉ MARIA ANTUNES (então com 25 anos, nascido em Santarém, em 1856) e CHARLES DUPARQUET, sacerdotes Espiritanos, chegam ao porto de Mossâmedes.

  1. HUMPATA e PALANCA, novembro-dezembro de 1881:

Os missionários encontram-se com o Governador de Mossâmedes e o comandante da colónia bóer, a fim de escolher a localização de 2000 hectares para a instalação da Missão. Os colonos bóeres tinham já ficado com os melhores locais – aqueles onde a água corria com abundância.

  1. HUÍLA, 1882:
  • Após os procedimentos de agrimensão do terreno escolhido, efetuados por Câmara Leme, no final de abril a propriedade da “Missão do Sagrado Coração de Jesus do Real Padroado Português” ou “Missão Católica da Huíla do Real Padroado Português” está definida: tem cinco léguas de perímetro, em que se incluem mil e quinhentos hectares ao longo do rio Mucha e quinhentos hectares na floresta.
  • O Padre José Maria Antunes é caracterizado nas palavras do Padre Duparquet nos seguintes termos: “prega perfeitamente e com facilidade, é muito instruído e excelente professor; numa palavra, é bastante capaz de dirigir o trabalho da Huíla” e “é um homem fora de série, de grande capacidade, um dos súbditos mais ilustres da Congregação. Ele é perfeito em tudo. Regularidade, zelo apostólico, amabilidade, ciência, eloquência, belas-artes, de modos distintos, etc. Não se pode encontrar ninguém igual.
  • Os trabalhos de construção dos edifícios começaram sem demora. Em meados de 1882, Duparquet faz o ponto da situação: “Há pelo menos quarenta pessoas empregadas: pedreiros, carpinteiros, trolhas, construtores de telhados, etc.”. Em setembro, o Padre Antunes refere que “conseguimos construir uma primeira linha de edifícios, com seis quartos de três metros quadrados cada. O que foi feito em três meses, mas que trabalho exigiu! As pedras tiveram de ser arrancadas das pedreiras, os tijolos feitos no local, a madeira teve de ser serrada por aqui mesmo, das árvores da floresta. Todos prontos para trabalhar de boa vontade.”
  • O Pe. Antunes divide a obra da Huíla em duas: a Escola Profissional e o Colégio: "a primeira para crianças de classe média, esta última para famílias ricas que desejam dar a seus filhos uma educação e sustento europeus…"
  • No final de setembro de 1882, José Maria Antunes relata ao Superior Geral da Congregação: "Este ano trinta e dois adultos tomaram os Sacramentos. Também me sinto abençoado por ensinar dez crianças, a quem administrei a primeira comunhão, feita no dia do Sagrado Coração de Maria; foi a primeira cerimónia do género que vimos na Huíla desde a sua fundação."
  • No final de 1882, o Bispo chega à Huíla de surpresa, trazendo os seminaristas de Luanda. Avisa o Padre Antunes “em cima da hora”, facto consumado: “Estou em Mossâmedes com os alunos do Seminário para seguir para aí. Vai adiante o Governador Geral e o deste distrito: vai este encarregado de arranjar 2 carros em Capangombe, devendo arranjar na Humpata outros dois dos Bóeres para irem ao nosso encontro ao Alto da Chela, e daí conduzir-se tudo para onde entender. São 8 alunos, por ora; talvez leve daqui mais alguém; vão para o serviço do Seminário 2 artistas, um alfaiate e um ferreiro, 2 moleques, se tudo isto aí lhe convier. (…) Não houve tempo para melhor prevenção. Foi negócio resolvido à [última] hora com o Governador Geral, que se mostra afeiçoado à Missão. Aproveite a ocasião da estada dele aí para lhe pedir o que entender.”
  • Com o precoce acréscimo desta nova responsabilidade, o Seminário, Antunes vê reduzirem-se as disponibilidades para precisamente conseguir fazer-se entender junto dos pagãos a evangelizar. Tinha começado a estudar a língua dos muílas, já conseguira alinhavar um catecismo em nyaneka, mas era ainda insuficiente para a eficácia dos missionários da Huíla.
  • Referindo-se à visita do Governador Geral Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Antunes afirma que “o governador ficou satisfeito com as nossas boas relações com os bóeres e mais especialmente com as nossas boas relações com os povos locais. Os negros sabem que não estamos ali para explorá-los, mas para trabalhar para o seu bem-estar, é por isso que vêm até nós sem medo. 'Isso já é uma vitória para si', disse Sua Excelência, 'porque uma das coisas mais difíceis é inspirar nessas pessoas afeto e confiança no homem branco'”. O Governador sabia que afeto e confiança não se obtinham ‘manu militari’, mas esperava que os evangelizadores conseguissem obtê-los…
  • Antunes afanosamente tudo organiza. A Luanda pede os registos paroquiais e freiras para educar as meninas da Missão. O trabalho que Antunes assegura é intenso, e lamenta: “(…) eu me vejo completamente sozinho no meio de uma necessidade sempre crescente e ser-me-á impossível fazer face ao trabalho que se apresentará este ano.” “(…) terei: 1º um Colégio a organizar, para o qual existem já algumas crianças; 2º uma Escola Profissional para a qual também existem algumas crianças; 3º um Seminário a dirigir e portanto é necessário fazer as classes; 4º a Paróquia da Huíla a administrar; 5º a de Capangombe, a sete léguas da Huíla, que não foi visitada este ano que se esgota e onde em consequência ninguém pôde receber os Sacramentos; 6º tenho a correspondência com o Governo acerca do Seminário, da Missão, da Paróquia; tenho a correspondência com o Bispo de Angola, com Braga, com a Casa-Mãe, etc.” “(…) é impossível que um homem apenas seja suficiente para tudo isso (…)” “Esta obra da Huíla é muito importante e muito múltipla; se for bem gerida, pode ter uma grande influência para a futura regeneração desta pobre diocese; pode dizer-se que é a única obra que tem nas suas mãos o futuro religioso de todo este país, desde o Zaire até ao Cunene.”
  • Antunes expressa as suas incertezas: “O início desta obra parece ser anunciado sob favoráveis auspícios, ganhou a benevolência do Governo e do Bispo; se for bem dirigida, acredito que será capaz de fazer o bem. Mas, para isso e como condição indispensável, deveria estar à frente desta obra um homem prudente, experiente e maduro, que soubesse dirigi-la.” (…) “(…) eu não estou nessas condições, nem tenho essas qualidades; eu sou demasiado jovem, muito inexperiente, incapaz de levar tão grande empresa a uma conclusão bem sucedida, de organizar uma tão importante obra.” (…) “A direção desta obra tem dificuldades, estamos longe da Casa Mãe, estamos sob contínua pressão das autoridades civis (e vós não ignorais como são tais autoridades nesta província), do Bispo, etc., e às vezes estamos em difíceis situações em que é necessário um grande espírito de conselho e prudência.”
  1. HUMPATA, 1883:
  • Artur de Paiva, recém-nomeado Chefe do Concelho da Humpata, tem dificuldade em controlar os bóeres, que começam a transparecer rebeldia e autoritarismo, assim como despotismo para com os fracos. Tratam os negros com ódio. O Padre José Maria começa a perceber que além do “gentio”, também a eles, apesar de lhes terem garantido a liberdade do seu culto, terá de os evangelizar. Como sabe que têm interesse em que os seus filhos aprendam português, Antunes espera levar a Palavra divina para o interior das famílias bóeres através das crianças.
  • Entretanto, a Humpata recebe mais quarenta e um portugueses, vindos de Pungo-Andongo, onde fracassara mais uma tentativa de colonização. Compõem este grupo “salteadores e vadios requisitados às cadeias de Lisboa”. Expirado o período dos subsídios e ocorrido um homicídio por esfaqueamento, este grupo abandona a Humpata “deixando as terras como no dia em que ali chegou”.
  1. HUÍLA, 1883:
  • O Padre Duparquet reitera as capacidades de José Maria Antunes para dirigir a obra: “O Pe. Antunes é um sujeito de talentos extraordinários (…). Tem tudo a seu favor: a ciência, os talentos, as belas-artes, a distinção das maneiras, a elevação do carácter, a grandeza de visão, a amabilidade, a devoção, o zelo apostólico. Ele está à altura da sua posição. Ele é adorado por todos nessa província e singularmente amado e estimado tanto pelo Bispo e pelo clero, como pelo Governador-Geral e pelo Governador do Distrito. Eu vejo este padre como a base desta obra.” “O Pe. Antunes tem sido, pode dizer-se, sacrificado por esta obra. Não se pode ilustrar tudo o que este pobre padre tem feito para assegurar o sucesso. O seu trabalho é tal que frequentemente não se deita senão à meia-noite e já várias vezes caiu doente por excesso de fadiga.
  • Concluída a estrada carreteira entre a Bibala e a Huíla, a povoação crescia, sendo dotada de um posto de correio nesse mesmo ano. A administração fica a cargo de Artur de Paiva, integrando bóers na Comissão Municipal.
  • O Padre Antunes, não obstante as suas absorventes ocupações evangelizadoras, torna-se membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, a instituição que mais ativamente articula as ações estratégicas coloniais.
  • O Governador de Mossâmedes, em carta para o Secretário-Geral de Angola, datada de 8 de outubro de 1883, informa: “(…) As condições do alojamento aos seminaristas quando estes vieram de Luanda foram se não ótimas, porque ainda os edifícios não estavam concluídos, ao menos regulares, tanto que o próprio Reverendíssimo Senhor Bispo os acompanhou para esta vila, onde tiveram boa casa, e para a Huíla, hospedando-se todos ali bem acomodados em dormitórios apropriados e acham-se com boa saúde, corados e bem nutridos.” “Os seminaristas são onze, que tantos foram para a Huíla, e ainda não foi admitido mais algum. Um deles é de idade de trinta anos e todos os mais são menores de dezasseis. “Além destes seminaristas educa mais a missão os seguintes: internos pretos dezoito, seminaristas dois, alunos do colégio oito, todos por conta da missão e frequentam a escola doze externos, filhos da povoação da Huíla. A delegação da missão no Humbe também dá escola a bastantes alunos e alunas externas.” “(…) a da Huíla e delegação desta no Humbe tem trabalhado bastante materialmente na construção de edifícios, aclimatação de árvores, cultivo de hortas e ajardinamento de terrenos ao lado do ribeiro (Mucha), que até lhe proporciona tanques apropriados para banhos e natação dos alunos, e moralmente trabalha com assiduidade, bom exemplo (…).” “A Sociedade de Geografia de Lisboa fez ver a este Governo-Geral a conveniência de haver na Huíla ou na Humpata, um posto de observações meteorológicas feitas às horas locais estabelecidas, para o estudo do clima e simultaneamente, duas vezes por dia, pelo sistema americano, para subsídio do estudo geral da meteorologia do globo; (…).”
  1. HUÍLA, HUMPATA e LUBANGO, 1884:
  • Capelo e Ivens relatam o que nesse ano viram: “A missão, que está colocada em risonho vale por onde serpeia pitoresco rio, compõe-se de vastos estabelecimentos bem construídos, cercados de jardins, hortas e terras de semeadura, devido tudo a grande esforço e trabalho, tendo que drenar as terras em grande extensão, e dirigir as águas do rio; é nesse aprazível sítio onde mais agradavelmente se passa na Huíla, e o recém-chegado se sente satisfeito ao entrar no gabinete de leitura. Exultámos ao ver o sentido prático que a missão dá aos seus trabalhos, a par daqueles da catequese, derramando na área da sua ação o gosto pelos labores de toda a ordem, principalmente agrícolas.”
  • Em 8 de abril é criado oficialmente o Colonato da Humpata. O Chefe da Humpata, em carta ao Padre Antunes, solicita os serviços da Missão da Huíla: “… os colonos [madeirenses] chegados ultimamente e mesmo grande parte de bóeres, acham-se perigosamente doentes. Pelos carros não veio ambulância nem médico e é de extrema necessidade o socorrer esta pobre gente; por isso atrevo-me a pedir a V. Reva. queira solicitar que o sr. doutor da missão aqui venha por alguns dias e traga consigo os medicamentos indispensáveis. As despesas serão pagas pelo governo, a quem competia ter providenciado a tempo. Como alguns dos colonos católicos se achem em perigoso estado de saúde, serão também necessários os serviços de V. Reva.. Rogo, pois a V. Exa. se digne aceder ao meu pedido, pelo que desde já ficarei grato.”
  • José Maria Antunes celebra, no local dos Barracões, no Lubango, sob uma pequena árvore, a primeira missa do colonato - em que já estavam instalados 211 colonos, marcando-se assim a sua inauguração.
  1. HUÍLA, 1885:
  • Nas Missões da Huíla e do Humbe, contam-se conjuntamente 12 Padres e 12 Irmãos auxiliares. 3 Irmãs educadoras chegam à Huíla. A Missão central dispõe já de uma estação de correio própria, de “primeira classe”. Todo o comércio do Ovampo se faz pelo Humbe, e daí transita para a Huíla, a caminho do porto de Mossâmedes.
  • Artur de Paiva expõe ao Padre Antunes as suas necessidades de equipamento, material imprescindível para a exploração do território entre o Cubango e o Cunene. O prestimoso José Maria, colaborando com a autoridade, empresta-lhe um ótimo sextante francês de Secrétan e um horizonte artificial. Nas expedições militares, Paiva conta com a participação dos bóeres - homens e mulheres. A sua perícia como condutores dos grandes carroções torna-se essencial para a logística militar. São exímios cavaleiros e atiradores, devido à sua grande prática em atividades de caça. Pela participação nas campanhas militares, recebem um salário diário fixo - uma libra por dia, ou duas, se têm montaria própria - às vezes dobrado durante os dias reais de luta, mais extras para cada cavalo e carroça, e 50% de todo o gado saqueado. Cavalos, bois ou carroções perdidos nas batalhas são-lhes indemnizados e a munição fornecida gratuitamente. Modernos rifles são oferecidos aos que têm modelos antigos. No que respeita à população muíla, os recém-chegados colonos bóeres expulsam-nos das melhores terras e saqueiam-lhes gado. Uma cláusula do contrato de concessões de terrenos firmado com os bóeres expressamente dispunha que um “terreno cultivado pelo gentio é propriedade deles” e que “não podem tirar-lhes o mesmo”, mas na verdade as tolerantes autoridades locais fazem “vista grossa” aos desmandos.
  • Câmara Leme, diretor do colonato do Lubango, pede emprestado ao Reverendo Antunes um aneróide. Na mesma altura, envia à Huíla amostras de duas qualidades de barro, para que lhe digam qual a melhor para fazer um forno. Pede também à Missão o empréstimo de uma forma de telha, pois não podiam continuar a utilizar capim para cobrir as habitações - ou estava degradado pelo clima ou era alvo de ataque de insetos.
  1. HUÍLA, 1886:
  • Em abril de 1886, Câmara Leme agradece ao Diretor da Missão a oferta de um estojo meteorológico, e em maio agradece o arranjo do relógio e da luneta do teodolito.
  • Em junho, Antunes elabora um relatório para o Ministro do Ultramar, onde relata o que nos cinco anos foi feito: “Ao lado do seminário criei um colégio, no qual, mediante uma pensão acomodada às famílias as menos abastadas da província, as crianças da classe média da sociedade possam adquirir uma instrução séria e uma educação sólida e cristã. Quarenta e um têm até hoje frequentado como internos estes dois estabelecimentos; alguns deles já cursam teologia. Bom número de crianças pertencentes aos colonos de Huíla e aos indígenas dos arredores da missão frequentam, como externos, os cursos do seminário, no qual podem receber não somente a instrução primária, como também a secundária, em conformidade com o programa do estabelecimento, que é o mesmo que o dos liceus do reino. Três edifícios ou linhas de casas paralelas, separadas por vastos terreiros, para recreio dos alunos, constituem estas duas obras: a saber: 1º, um edifício de 40 metros de comprido e 6 de largo, com terreiro, horta, tanque e pomar, serve de aposento aos seminaristas; 2º, um outro corpo de edifícios, de 60 metros de comprido, paralelo ao primeiro, constitui o colégio; 3º, uma terceira linha de edifícios, de outro tanto de comprido, forma as dependências destas duas obras. Três oficinas estabelecidas nesta última, e dirigidas por bons mestres europeus, agregados à missão, permitem ensinar tanto aos filhos dos colonos, como aos dos indígenas que frequentam o estabelecimento, os ofícios de carpinteiro, serralheiro e ferreiro. Por diante destes três edifícios, situados no declive de uma colina, estende-se o vale da Mucha, por onde serpenteia o rio do mesmo nome. Numerosos eucaliptos, plantados pela missão nas margens deste rio, e belas alamedas de pessegueiros, laranjeiras e amoreiras, que se desenvolvem com espantosa rapidez,(…) Em frente do seminário-colégio e na margem oposta do rio Mucha, eleva-se o orfanato da missão (…) Cinquenta e cinco órfãos indígenas recebem neste estabelecimento, (…), uma educação cristã e uma instrução quer intelectual, quer profissional, adequada a inteligência e aptidão de cada um. (…) O tempo dos nossos órfãozinhos está dividido entre o estudo e o trabalho, quer profissional, quer agrícola. (…) Uma grande porção de terreno cultivado por nossas crianças estende-se ao longe em roda do edifício. Do lado direito uma magnífica horta, cujos produtos eles vendem ao seminário, e cuja importância reverte em benefício do orfanato (…). Desde o primeiro ano um trabalho colossal teve de executar-se; foi a canalização do rio Quitembo, desviando-o do seu curso ordinário para o encaminhar pela terra da missão. Graças aos esforços dos nossos órfãos, este canal está hoje concluído, e alimenta com suas águas quatro grandes e magníficos tanques, que, situados de um e outro lado da casa, além de abastecerem de água as plantações, embelezam sobremaneira a propriedade. Do lado esquerdo estende-se um belo pomar. (…) laranjeiras, nespereiras, macieiras, figueiras, romãzeiras, amoreiras, pessegueiros, damasqueiros, goiabeiras, bananeiras e jambeiros (…) trigo, a cevada, o centeio, a batata europeia (da qual introduziu a missão uma coleção de cinquenta espécies no planalto da Huíla), a batata-doce, a mandioca, o feijão, o milho e o sorgo (…). Uma plantação de cem pés (…) forma o olival da missão. (…) Antes do estabelecimento da missão contava o distrito como estabelecimento de educação duas escolas primárias em Moçâmedes, uma para o sexo masculino, outra para o sexo feminino, e uma escola na Huíla, apenas frequentada por meia dúzia de crianças, se tanto. Com o estabelecimento da missão, achou-se dotado o distrito com uma escola na Huíla, outra no Humbe, dois orfanatos para indígenas, um na Huíla, outro no Humbe, com escola profissional; e, finalmente, um seminário e um colégio com o curso completo de preparatórios e de teologia, (…) fundando ao lado do seminário o colégio de que já acima falei, em condições tão favoráveis que a instrução é em realidade gratuita e ao alcance das famílias as menos abastadas, (…). (…) o número total das crianças a quem no ano de 1885-1886 a missão ministrava o benefício tão precioso da instrução, era de cento e trinta e quatro. (…) Convencidos que a agricultura é um dos ramos de riqueza o mais estável para uma colónia, não cessamos desde o estabelecimento da missão de desenvolvê-la, não só nesta obra, e especialmente no orfanato agrícola, mas também promovendo-a entre os colonos da Huíla, já repartindo com eles as coleções de sementes de cereais e legumes, etc., que possuímos, já mandando-lhes vir das fábricas da Europa instrumentos agrários e máquinas aperfeiçoadas. O tosco arado fabricado na Huíla, e o único conhecido antes da vinda da missão, acha-se hoje substituído pela tão elegante e tão útil charrua Howard; a incómoda grade de madeira, pelas grades articuladas de ferro; o modo tão primitivo de debulhar o trigo, fazendo-o pisar por bois, está hoje substituído, quase por toda a parte, pelo método da debulhadora, com motor vertical de Pinet. As máquinas a vapor já se vão introduzindo, e a primeira que se viu no planalto trabalha atualmente na missão, e move uma serra mecânica e um moinho. Por meio destas máquinas agrícolas e de muitas outras, todas introduzidas e propagadas pela missão, a agricultura tem tomado muito maior incremento; e veem-se proprietários que ao chegarem à missão não podiam colher mais do que 50 a 8o alqueires de trigo, e que hoje, graças ao emprego de instrumentos aperfeiçoados, podem colher 800 a 1000 alqueires.”
  1. HUÍLA e JAU, 1890:
  • “Estatística das missões da Huíla e Jau (fundada em 1889):
  • Educandos: Seminaristas, 45. Indígenas masculinos 170, femininos 85.
  • Habitantes da aldeia cristã no Jau: femininos 10, masculinos 10.
  • Produção agrícola: Trigo, 1.000 arrobas; Batata inglesa, 1.200 arrobas; Feijão, 400 arrobas; Ervilha, 200 arrobas; Milho especial, 1.000 arrobas; Cará, 1.000 arrobas; Árvores frutíferas, 3.264; Vinhas, 1.500; Viveiros de árvores, 10.
  • Motores: de 12 cavalos, 1; de 4 cavalos, 1.
  • Engenhos e máquinas industriais e agrícolas: Aparelhos para serração de madeiras a vapor, 2; Engenho de moer cereais a vapor, 1; Engenho de moer casca para a curtição a vapor, 1; Engenho para moer casca movido por bois, 1; Perfurador mecânico, 1; Tornos, 2; Aparelho para mover o torno à força de animais, 1; Amassador mecânico para o pão, 1; Moinho d'água, 1; Raspador, 1; Triturador, 1; Limpador, 1; Arados, 4; Debulhadoras manuais, 2; Aparelhos de destilação, 2.
  • Área cultivada, 50 hectares.
  • Espécies pecuárias: Caprino, 20; Lanígero, 20; Gado bovino, 180; Jumentos, 15; Éguas, 2; Cavalos, 3.
  • Carros: De passeio, 3; Nacionais de duas rodas, 4; Vagons de quatro rodas, 4.
  • Oficinas e fábricas: Destilação, 1; Padaria, 1; Cerveja, 1; Fotografia, 1; Encadernador, 1; Tipografia, 1; Oleiro, 1; Alfaiate, 1; Sapateiro, 1; Curtição de couros, 1; Carpinteiro, marceneiro e torneiro, 1; Funileiro, 1; Serralharia, 1; Serração de madeira a vapor, 1.”
  1. LISBOA,1892:

É publicado em Lisboa “O Districto de Mossamedes”, do Dr. Pereira do Nascimento. No capítulo em que se descreve detalhadamente a Missão Católica da Huíla, é salientada a tenacidade do padre José Maria Antunes, louvando-se a sua obra, considerando-a desde já como uma epopeia civilizacional. No livro, o ilustre Médico da Armada Real salienta o modo como se leva a cabo a ação dos missionários da Congregação do Espírito Santo, ao contrário “dos que buscam enriquecer lisonjeando e explorando os hábitos indígenas com a mira em gananciosos interesses, pervertendo e embrutecendo o negro.” Vinca que o objetivo de “concitar os indígenas a procurar amistosas relações com a raça europeia” só poderá ser alcançado com a paciência e dedicação do missionário, de modo a tratar os indígenas “com brandura, patentear-lhes bons exemplos e convidá-los por meios suasórios a imitá-los.”

  1. HUÍLA, 1892-1894:
  • O Padre Antunes funda a Missão do Tchivinguiro, em terrenos comprados a particulares. Em 1893 é fundada a Missão da Quihita e em 1894 a do Cubango.
  • A biblioteca da Missão da Huíla conta com 4000 volumes.
  1. HUÍLA, 1894:

     José Maria Antunes concebe e propõe ao Ministro do Ultramar um vasto projeto de criação de 20 Missões, estrategicamente distribuídas por todo o território de Angola, a partir de quatro polos – Malange, Caconda, Cassinga e Huíla.

  1. HUÍLA, 1895:

     Numa carta para o Bispo, Antunes relata: “está fundada a Missão de Santo António da Mulola dos Gambos. Como tudo estava preparado de antemão, inclusive portas e janelas, levámos daqui seis grandes vagões com todo o material, móveis, capela, fornecimentos e partidos a 24 de Agosto, regressava eu à Huíla com os carros a 10 de outubro. “Construiu-se uma casa de 10 metros de comprido e 6 metros de largo, dividida em três quartos, sendo: um para habitação dos missionários, um outro para capela e um terceiro para sala de jantar. Esta casa é elegante de construção, de 5 metros de pé alto, com alicerces de pedra muito sólidos e construída de adobe muito bom. Ao pé da mesma fez-se um barracão de quase igual superfície, coberto de telha de ferro, como a casa dividido em dois quartos, sendo um para dormitório dos 12 rapazes que hão-de casar-se para o ano que vem e constituírem a aldeia e outro para arrecadações. Estas duas construções levaram 16 dias a construírem-se, mas havia a trabalhar perto de 100 pessoas, seis vagões e perto de 120 bois de carro!”

  1. HUÍLA, 1898:

     Funda-se a Missão do Munhino, em terrenos já adquiridos pela Missão da Huíla.

  1. HUÍLA, 1899:

Antunes escreve ao Bispo: “(…) as Missões do Planalto continuam sofrendo novas provas, depois das que experimentaram há um ano com a peste bovina. A inundação que tão desastrosa foi para a Missão do Quihita causou também não poucos danos à da Huíla. Desde há um ano para cá tínhamos empreendido no vale da Missão trabalhos importantes de drenagem, construção de uma ponte, abertura do leito do rio Mucha e de muitas valas laterais para dar escoante às águas pantanosas e estagnadas. (…) Todo o vale fora lavrado e plantado e tinha-se feito uma plantação de milho, feijão e mais legumes no espaço de 12 hectares, cujo rendimento devia dar para o custeio de todas as despesas feitas com os trabalhos de drenagem. A inundação, no espaço de algumas horas, arrebatou tudo, destruindo em grande parte os aterros que tínhamos feito, entupindo as valas e cobrindo de areia todo o vale. A esta calamidade veio juntar-se uma tromba que levou pelos ares uma parte do telhado do edifício do Seminário, o telhado da casa da entrada, o da casa de fabrico de cerveja e o da torre contígua; o meteoro percorreu depois o jardim experimental, arrancando eucaliptos, bananeiras e outras árvores frutíferas. O que, porém, mais me preocupa são os danos sofridos na Missão do Quihita. A casa definitiva de habitação, situada no cimo do monte, estava muito adiantada, as paredes mediam mais de 2 m de altura; tinham-se feito dois caminhos suaves para da planície se subir ao monte, um deles podia ser transitado por carros, tinham-se preparado para acabar a construção grande número de materiais, pedra, adobe, etc. Tudo fica inutilizado, pois é indispensável abandonar todos os edifícios, dos quais só as madeiras, e telha se poderão utilizar. A Missão tem de ser mudada; todas as árvores foram arrancadas com a força da corrente e os campos cobertos com uma camada de areia de mais de um metro em alguns sítios. É como se tivéssemos que fazer uma nova fundação.

  1. HUÍLA, 1902:
  • Antunes adquire e instala novos aparelhos Richard de registos higrométrico e térmico para o observatório meteorológico da Huíla.
  • O Bispo de Angola informa o Ministro do Ultramar: “A linha de missões deste planalto chega hoje ao Humbe, onde se instalou a missão do Chipelongo (que no orçamento vem com o nome de Quiteve) já em florescente atividade e que veio substituir a missão há 20 anos estabelecida junto da fortaleza. Pode asseverar-se que estas missões têm já resultados práticos na obra de evangelização e civilização, gozando das simpatias e confiança dos indígenas. Assentes os oito postos missionários destacados da central da Huíla e que vão do Chivinguiro ao Chipelongo, entre si intimamente relacionados como escala e abastecimento de uns para outros, o que constitui uma sólida garantia de futuro, podemos agora avançar para a região da Dongoena, na margem direita do curso médio do Cunene, e estender lá a benéfica influência das missões.”
  1. LISBOA, 1904-1920:
  • José Maria Antunes é nomeado Procurador-Geral das Missões, cargo que exerce em Lisboa. À data de 15 de fevereiro de 1911, a Congregação do Espírito Santo conta com 24 missões em Angola, em que trabalham 70 missionários, outros tantos auxiliares e perto de 3 dezenas de Irmãs educadoras.
  • Antunes é investido como Provincial da Congregação em Portugal, responsabilidade que exercerá durante quinze anos. Em contexto político de grande animosidade anticlerical, desenvolve todos os esforços junto do Governo Republicano instaurado em 1910, vindo a conseguir em 1919 garantias legislativas para a continuidade do trabalho nas missões.
  1. ATIVIDADES CULTURAIS DA MISSÃO DA HUÍLA (segundo o Pe. Bonnefoux, em 14 de Março de 1911):

“(…) Esta missão publicou alguns livros sobre a língua «Lunyaneka», falada numa grande parte do planalto da Huíla e uns catecismos na mesma língua. Eis os títulos destes trabalhos:

  • — Diccionario Portuguez-Olunyaneka, pelos padres Missionários. 1896.
  • — Resumo da Doutrina christã, pelo Padre Lecomte, vertido em Lunyaneka pelo Pe. J. M. Antunes. 1898.
  • — Catecismo das Verdades necessárias, por Mgr. Le Roy, vertido em Portuguez-Olunyaneka pelo Pe. Manuel Gonçalves Bras. 1900.
  • — Os Sacramentos, por Mgr. Le Roy — Lições. Vertidos em Portuguez-Olunyaneka pelos missionários. 1902.
  • — O Mateya-Mutima. Máximas em Olunyaneka, pelo padre Eugénio Dekindt. 1902.
  • — Resumo da Doutrina christã em Portuguez e Olunyaneka, pelo Pe. Luis Barros da Silva. 1906.
  • — Guia de Conversação Olunyaneka, pelo Pe. José Severino da Silva. 1908.
  • — Ensaios de Grammatica Nyaneka, pelo Padre Afonso Maria Lang. Lisboa, 1906.
  • Okandyanlula K’onondaka mba Tatekulu Jesu-Kritu - Resumo da Doutrina Christã em Olunyaneka, ao uso das Missões da Huíla. 1910.
  • — No prelo nova edição do Guia de Conversação.

“Na tipografia que existe na Missão desde 1890, além dos trabalhos acima indicados, menos os «Ensaios de Grammatica Nyaneka» pelo Pe. Afonso Maria Lang, que foram impressos em Lisboa, tem-se imprimido

  • alguns livros de Doutrina Cristã pelo Padre Lecomte, em Cuanhama, Ganguela e Mbundu,um Dicionário Portuguez-Kimbundu, do Dr. José Pereira do Nascimento, do mesmo autor «Da Huíla às terras de Humbe» e «Questões Médico-Coloniais relativas à colonização europeia no planalto».
  • Diversos folhetos relativos a questões administrativas e regulamentos para uso do Governo da Huíla;
  • ultimamente, enfim, dois opúsculos do Exmo. e Revmo. Sr. Bispo d’Angola e Congo, «Alocução na Solene distribuição de prémios aos alunos do Seminário Diocesano. Luanda» e «Arte e Sciencia». Raphael».”

“A Missão teve até este último ano um observatório, que infelizmente foi destruído pelas chuvas muito abundantes de princípio de 1910.

“Tem-se empreendido uma coleção de plantas medicinais, cujo herbário contém até agora mais de 200 plantas, das quais algumas foram experimentadas com resultado.

“Deu-se princípio a uma coleção mineralógica das rochas representadas na nossa região. O Revmo. Sr. Padre Antunes e o Revmo. Sr. Padre Severino fizeram à Academia Real das Ciências umas comunicações sobre mineralogia e geologia.

“O Revmo. Sr. Padre Dekindt mandou a diversas sociedades científicas herbários e descrições de vários exemplares da flora indígena.

“Ao Exmo. e Revmo. Sr. Padre Antunes, fundador destas missões, foi concedida pelo Governo Português a condecoração da Ordem de Cristo. A Sociedade de Geografia de Lisboa nomeou-o membro correspondente, assim como ao Revmo. Sr. Padre José Severino da Silva. Este último é, além disso, sócio correspondente do Ateneu Comercial do Porto.

“Na Exposição Colonial da Sociedade de Geografia, de 1906, a Missão dos Gambos recebeu uma medalha de prata. Na Exposição Regional que se realizou no Lubango, em Novembro de 1910, um prémio pecuniário foi atribuído à missão do Munhino.”

  1. HUÍLA, 1912-1926:
  • Em 1912 é iniciada a construção da monumental igreja da Missão da Huíla, que virá a ser aberta ao culto em 1930. Os colonos de todo o planalto seguem a tradição de celebrar na Missão os seus matrimónios e de nela batizar os seus filhos.
  • Em substituição da do Chipelongo, em 1916 é fundada a missão do Chiulo.
  • Em 1926 é fundada a missão de Omupanda, na região do Cuanhama.

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Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2022
nova colectânea

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um monumento

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nova obra, de utilidade pública

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Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2022
Luanda, 1890

Orfanato D. Pedro V

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(in Angola - 1880 to the present: slavery, exploitation, and revolt, Bruce e Becky Durost Fish)


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Sabe quem foi?

Cordeiro da Matta

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(in Angola - 1880 to the present: slavery, exploitation, and revolt, Bruce e Becky Durost Fish)


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Domingo, 23 de Janeiro de 2022
Fantástico!


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rios

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Munhino.jpg

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Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2022
qual é a verdadeira?

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Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2022
velhos transportes

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Quarta-feira, 5 de Janeiro de 2022
leia-se...

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"1843 - As colonias, que estavam sendo até ahi um ninho de escravos, passaram a ser quasi exclusivamente um ninho de degredados. O detestavel systema de povoar de criminosos as colonias africanas dava como resultado, em primeiro logar, não poderem os governadores das provincias contar com a subordinação das tropas porque eram degredados que sobretudo as compunham."...

"1850 - Em Angola entretanto concentrava-se com sobeja razão a atenção do governo nos territorios ao sul da provincia. Um dos exploradores que mais se empenharam em percorrer e em descrever essa região foi Bernardino José Brochado que desde 1847 por ali andava visitando os povos do Humbe, Camba, Mulondo, Quanhama, Aymbire, Terra de Bale, Uanda, Cuffima, Dongo, Mucuancallas, Quamba, Ganjella, Quamattui, etc. A descripção das suas viagens, datada de Gambos de 1850, figura nos Annaes do Conselho Ultramarino." "Em Mossamedes existia já no sitio das Hortas, quando o tenente Garcia veio fundar o presidio, (...), uma feitoria pertencente a Jacome Filippe Torres, em 1840 fundou outra feitoria um Clemente Eleuterio Freire, em 1841 foi outra fundada por Bernardino José Brochado, em 1843 outra por Fernando José Cardoso Guimarães, e tempo depois outra ainda por João Antonio de Magalhães. Estas feitorias e o presidio, uma força militar e degredados, eram o nucleo da futura villa."


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velhas actividades - 2

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Não se equivoquem pensando que por publicar estas ...
A do alentejano pifei à Marian Jardim.
Ler aqui a apresentação da segunda edição:https://...
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